quinta-feira, 5 de maio de 2016

Seguindo o Fio de Ariadne

Teseu, o herói da mitologia, era filho do rei ateniense Egeu e de Etra. A leitura do mito nos ensina que, embora imbuído de valores elevados e da capacidade de derrotar o Minotauro, a possibilidade de levar sua missão a bom termo e encontrar a saída do labirinto dependia de conhecer a técnica, que consistia desenrolar a linha ao entrar e em segui-la ao sair daquele local, a fim de encontrar o caminho de volta e conduzir os que o acompanhavam em segurança para fora do mesmo. Como Teseu, estar imbuído de desejo de transformar as circunstâncias não basta, é necessário ter condições de conduzir para a saída do labirinto.
Nesse sentido, cada história de vida que o profissional de Psicopedagogia conhece leva-o a continentes desconhecidos, a terras muitas vezes nunca desbravadas. A necessidade de saber lidar com o sofrimento de cada caso se apresenta, quanto mais existem elementos que remetem ao significado do sintoma no núcleo familiar. No presente caso, a dificuldade corresponde à apropriação do conhecimento por parte da criança em um nível muito abaixo de suas reais possibilidades, o que levou à necessidade de conhecer os significados que eram atribuídos ao sintoma no interior da família. Essa questão traz à memória inúmeros casos já atendidos, como o daquela mãe que, ao começar o relato, durante a anamnese, afirmou:

“A gravidez não foi planejada. O meu (filho) mais velho estava só com 11 meses e eu não queria engravidar. Quando o T. nasceu, ele nem chorou. Então eu pensei que não devia mesmo estar grávida”.

A anamnese deve ser um momento dedicado à entrevistada, sem que haja demonstrações de ansiedade por parte do entrevistador, qualquer que ela seja. Conta-se que em determinada ocasião, uma paciente, após interrompida seguidamente por Freud, dirigiu-se a ele, dizendo-lhe “você fala demais”. Uma escuta atenta possibilita a existência de condições suficientes para que quem escuta sirva como uma “superfície projetiva” (Laplanche, 1991) e para quem é entrevistado poder realizar as livre associações com os fatos que vai narrando, o que favorece a melhor compreensão dos significados inconscientes relacionados à queixa.
O psicopedagogo, durante a entrevista, deve estar preparado para não ser surpreendido pela intenção de projetar as suas próprias expectativas sobre aquilo que ouve durante o relato, pois poderia cair na tentação de procurar auxiliar pela fala, no momento em que deveria auxiliar apenas ouvindo.

No caso ilustrativo da entrevista com a mãe de aluno relatado acima, pode-se perceber a presença de um mecanismo de defesa do ego conhecido como “negação”. Estar atento a essas verbalizações pode ajudar a compreender os sentimentos manifestados pela genitora em relação à descoberta da gravidez, assim como a forma como lidou com suas frustrações posteriormente.
A contratransferência, ou ainda, fazendo uma paráfrase sobre uma das expressões usadas por Freud para definir esse processo, a influência do entrevistado sobre os sentimentos inconscientes do entrevistador (Laplanche,1991, p. 102), não deveria ocorrer de modo a prejudicar a escuta, levando a pessoa que conta a sua história a perder o fio capaz de conduzi-la a uma maior consciência de suas próprias motivações. A entrevista bem conduzida possibilita que as intervenções sugeridas ao final da mesma sejam aceitas mais naturalmente, como, por exemplo, encaminhar o caso para outros serviços.
A continuidade do trabalho já referido permitiu observar que a negação inicial da gravidez cedeu lugar a atitudes posteriores compensatórias por parte da genitora, para lidar com o sentimento de culpa, o que resultou na superproteção do filho. Por sua vez, essa atitude impediu que o educando apresentasse o desenvolvimento de suas potencialidades de modo coerente com suas possibilidades reais.
O acompanhamento do caso possibilitou o investindo em ações que permitiram à genitora uma evolução na sua compreensão do sentimento de competência do filho, adequando o modo como percebia suas possibilidades, que por sua vez melhoraram as suas expectativas quanto às condições de aprendizado do filho, que também reagiu positivamente, passando a demonstrar maior autonomia em relação ao aprendizado.


Bibliografia

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 

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