sexta-feira, 13 de maio de 2016

Atuação Psicopedagógica Institucional: a Diversidade do Aprender e as Parcerias Possíveis

R. está com 16 anos e cursa o 9° ano escolar pela segunda vez. O educando foi atendido a partir da observação de que apresentava “desânimo” durante as aulas, consequência de sua desmotivação para os estudos escolares. A queixa escolar elaborada por uma das educadoras de sua classe, na ocasião em que realizou o encaminhamento, mencionou ainda a inexistência de dificuldades de aprendizado, pois “quando está disposto, R. realiza todas as tarefas”. Durante o seu atendimento, foram realizadas atividades envolvendo sua escuta e algumas dinâmicas psicopedagógicas. Como foi possível perceber, a “desmotivação” para os estudos escolares, presente na queixa, ficou confirmada, de acordo com as próprias palavras do educando, que afirmou que sentia ter perdido seu hábito para os estudos das disciplinas do currículo.  Outra questão observada, durante os momentos em que R. esteve em atendimento, foi sua grande capacidade para o aprendizado como autodidata, pois demonstrou ter assimilado muitos conhecimentos sobre programação de computadores, mesmo sem nunca ter frequentado cursos formais nesse sentido. Assuntos relacionados à informática absorvem um período significativo de suas pesquisas em tempo livre. Portanto, o desejo de aprender, embora em situações diversas das encontradas comumente em sala de aula, foi constatado. Quando perguntado a R. se gostaria de frequentar um curso para aprimorar seus saberes na área da programação de computadores, ele respondeu que se tivesse a oportunidade, investiria nessa área, buscando aprofundar seus conhecimentos do assunto.
Não foi percebida a presença de questões de natureza emocional que pudessem interferir em seu aprendizado, a não ser a própria questão apontada anteriormente, relacionada ao âmbito pedagógico. Aliás, foi percebido que, quando o assunto abordado envolveu coisas de seu interesse, o educando demonstrou visível entusiasmo. Ao concluir as sessões de atendimento, a hipótese foi que a existência de obstáculo epistemofílico em relação aos conteúdos pedagógicos poderia estar relacionada ao fato de R. encontrar poucas condições de desafio nas situações pedagógicas usuais, além do que o ensino nos moldes convencionais não oferecia a oportunidade de que o educando desenvolvesse suas habilidades na principal área de seu interesse.
Concluímos nossas observações tendo como hipótese que seria importante que R. tivesse acesso a um projeto onde pudesse exercitar suas habilidades e seus interesses pela programação de computadores, bem como recebesse a oferta de estimulação suplementar em sala comum, ofertando a possibilidade de pesquisar conteúdos pedagógicos de seu interesse, sendo encorajado a divulgar suas descobertas por meio dos recursos existentes na unidade escolar (jornal de mural, blog, etc). Encorajar educandos que tenham habilidades diferentes das demonstradas pela maioria dos colegas de turma pode se transformar em um caminho para a promoção dos talentos individuais, assim como essa atitude pode possibilitar que a escola passe a ser uma instituição em consonância com os discursos atuais sobre a educação pautada pelo ideal democrático. Nesse sentido, é importante considerar que:

“Uma educação democrática deve levar em consideração as diferenças individuais e, portanto, oferecer oportunidades de aprendizagem conforme as habilidades, interesses, estilos de aprendizagem e potencialidades dos alunos” (FLEITH, 2006, p. 11).

Para poder contribuir com o desenvolvimento de potenciais, é importante que o educador:

“Investigue os interesses, os estilos de aprendizagem e de expressão dos seus alunos ou observe-os de forma a identificar seus interesses, pontos fortes e talentos” (Op. Cit., p. 20).

Neste momento, temos indícios para crer que R. seja um educando que pode ser vantajosamente classificado no público-alvo definido como Altas habilidades/superdotação, conforme terminologia oficial. De acordo com o enfoque da educação inclusiva, o aluno com “altas Habilidades” é aquele que apresenta: “potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (Brasil, 2010, p. 71). Assim sendo, após as considerações anteriores, o caso foi encaminhado à professora do AEE (Apoio Educacional Especializado) da unidade escolar em que o educando estuda, para verificação das adequações necessárias, visando o progresso educacional de R.


Consulta

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos Político-Legais da Educação Especial na Perspectiva da Educação inclusiva. Brasiília: Secretaria de Educação Especial, 2010.


FLEITH, Denise de Souza. Educação infantil : saberes e práticas da inclusão : altas habilidade/superdotação – Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.


quinta-feira, 5 de maio de 2016

Seguindo o Fio de Ariadne

Teseu, o herói da mitologia, era filho do rei ateniense Egeu e de Etra. A leitura do mito nos ensina que, embora imbuído de valores elevados e da capacidade de derrotar o Minotauro, a possibilidade de levar sua missão a bom termo e encontrar a saída do labirinto dependia de conhecer a técnica, que consistia desenrolar a linha ao entrar e em segui-la ao sair daquele local, a fim de encontrar o caminho de volta e conduzir os que o acompanhavam em segurança para fora do mesmo. Como Teseu, estar imbuído de desejo de transformar as circunstâncias não basta, é necessário ter condições de conduzir para a saída do labirinto.
Nesse sentido, cada história de vida que o profissional de Psicopedagogia conhece leva-o a continentes desconhecidos, a terras muitas vezes nunca desbravadas. A necessidade de saber lidar com o sofrimento de cada caso se apresenta, quanto mais existem elementos que remetem ao significado do sintoma no núcleo familiar. No presente caso, a dificuldade corresponde à apropriação do conhecimento por parte da criança em um nível muito abaixo de suas reais possibilidades, o que levou à necessidade de conhecer os significados que eram atribuídos ao sintoma no interior da família. Essa questão traz à memória inúmeros casos já atendidos, como o daquela mãe que, ao começar o relato, durante a anamnese, afirmou:

“A gravidez não foi planejada. O meu (filho) mais velho estava só com 11 meses e eu não queria engravidar. Quando o T. nasceu, ele nem chorou. Então eu pensei que não devia mesmo estar grávida”.

A anamnese deve ser um momento dedicado à entrevistada, sem que haja demonstrações de ansiedade por parte do entrevistador, qualquer que ela seja. Conta-se que em determinada ocasião, uma paciente, após interrompida seguidamente por Freud, dirigiu-se a ele, dizendo-lhe “você fala demais”. Uma escuta atenta possibilita a existência de condições suficientes para que quem escuta sirva como uma “superfície projetiva” (Laplanche, 1991) e para quem é entrevistado poder realizar as livre associações com os fatos que vai narrando, o que favorece a melhor compreensão dos significados inconscientes relacionados à queixa.
O psicopedagogo, durante a entrevista, deve estar preparado para não ser surpreendido pela intenção de projetar as suas próprias expectativas sobre aquilo que ouve durante o relato, pois poderia cair na tentação de procurar auxiliar pela fala, no momento em que deveria auxiliar apenas ouvindo.

No caso ilustrativo da entrevista com a mãe de aluno relatado acima, pode-se perceber a presença de um mecanismo de defesa do ego conhecido como “negação”. Estar atento a essas verbalizações pode ajudar a compreender os sentimentos manifestados pela genitora em relação à descoberta da gravidez, assim como a forma como lidou com suas frustrações posteriormente.
A contratransferência, ou ainda, fazendo uma paráfrase sobre uma das expressões usadas por Freud para definir esse processo, a influência do entrevistado sobre os sentimentos inconscientes do entrevistador (Laplanche,1991, p. 102), não deveria ocorrer de modo a prejudicar a escuta, levando a pessoa que conta a sua história a perder o fio capaz de conduzi-la a uma maior consciência de suas próprias motivações. A entrevista bem conduzida possibilita que as intervenções sugeridas ao final da mesma sejam aceitas mais naturalmente, como, por exemplo, encaminhar o caso para outros serviços.
A continuidade do trabalho já referido permitiu observar que a negação inicial da gravidez cedeu lugar a atitudes posteriores compensatórias por parte da genitora, para lidar com o sentimento de culpa, o que resultou na superproteção do filho. Por sua vez, essa atitude impediu que o educando apresentasse o desenvolvimento de suas potencialidades de modo coerente com suas possibilidades reais.
O acompanhamento do caso possibilitou o investindo em ações que permitiram à genitora uma evolução na sua compreensão do sentimento de competência do filho, adequando o modo como percebia suas possibilidades, que por sua vez melhoraram as suas expectativas quanto às condições de aprendizado do filho, que também reagiu positivamente, passando a demonstrar maior autonomia em relação ao aprendizado.


Bibliografia

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991.