quinta-feira, 18 de abril de 2019

A Prática de Bullying, A Comunicação Não-Violenta e As Contribuições da Psicopedagogia Institucional à Cultura da Paz


“Pela ênfase em escutar profundamente — a nós e aos outros —, a CNV promove o respeito, a atenção e a empatia e gera o mútuo desejo de nos entregarmos de coração” (Rosemberg).

No contexto da educação moderna, a relação entre escola e desenvolvimento global do educando é um tema que remonta ao nascimento da orientação educacional. Como explicam Schmidt e Pereira (1973, p. 51), o surgimento da orientação educacional ocorre no final do século XIX, mais exatamente no ano de 1895, em São Francisco, Estados Unidos. Inicialmente voltada para os aspectos do desenvolvimento profissional dos educandos, passou, posteriormente, a se interessar pelos aspectos globais do desenvolvimento:
“Logo no início do século XX, deu-se uma ampliação natural da Orientação, obedecendo à necessidade de assistir o educando no desenvolvimento de todas as suas estruturas – física, mental, moral, social, artística, científica, política, religiosa. A orientação passou a ter a amplitude que hoje lhe atribuímos: o estudo completo da personalidade do educando, das aptidões e das relações com os diferentes ambientes sociais em que ele vive – escola, família, sociedade, igreja; aconselhamento, encaminhamentos a serviços especializados”.    
Outro autor (Nérici, 1974, p. 33-34) afirma que a função de orientador educacional era desempenhada por licenciados em Pedagogia, com habilitação em Orientação Educacional, ou por profissionais que tivessem realizado formação na área por meio de cursos de pós-graduação. E, por fim, por aqueles que tivessem obtido diploma em Orientação Educacional por meio de formação no exterior, após revalidado de acordo com a legislação em vigor.
Entre as atribuições do orientador educacional, estava o atendimento individual do educando: “A função de atendimento individual tem por finalidade atender educandos com dificuldades maiores aos estudos, ao ajustamento escolar, familiar e social” (op. cit. p. 31). Portanto, a relação entre instituição escolar e uma intenção de contribuir para a formação global do sujeito não constitui de modo algum interesse recente por parte de profissionais pertencentes à área da educação.
A necessidade de oferecer educação emocional às crianças e jovens nos dias atuais pode ser justificada pelas mudanças sociais ocorridas, as quais apresentam diversas demandas individuais: necessidades relacionadas à autoestima, ao desenvolvimento de atitudes como responsabilidade, capacidade de administrar os conflitos da convivência, etc. Além disso, fatores econômicos, familiares, assim como o crescimento da violência são alguns aspectos que trazem para a escola a necessidade de se pensar sobre a importância da educação emocional (Nogueira, 2009, p. 14), o que poderia envolver metas voltadas às famílias, preparando os pais para essa tarefa (op. cit. p. 73).
São muitas as situações ocorridas diariamente dentro do ambiente escolar que poderiam ser evocadas para justificar a preocupação em levar para a discussão temas relacionados à convivência, afetividade e valores. Poderíamos pensar sobre o modo como as tensões experimentadas pelos alunos na vida extraescolar podem influenciar a convivência dentro do ambiente da instituição. Práticas nesse sentido poderiam incluir intervenções destinadas a minimizar tensões existentes, bem como envolver ações com caráter preventivo.  

Combater a Prática do Bullying

Atualmente, podemos pensar também nas recorrências da prática do bullying como um aspecto que exige dos profissionais envolvidos no cotidiano escolar um posicionamento. Os trabalhos de orientação relacionados à temática do bullying precisam esclarecer o conceito. Muitos pais, alunos e, às vezes, até mesmo educadores, nem sempre possuem muita clareza sobre isso. Portanto, é necessária uma definição sobre esse tema. Assim, bullying:
“Compreende todas as formas de atitudes agressivas, realizadas de forma voluntária e repetitiva, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro (s), causando dor e angústia e realizada dentro de uma relação desigual de poder” (Abrapia – associação brasileira multiprofissional de proteção à infância e à adolescência).
Entre os indicadores de que uma criança ou adolescente possa estar sendo vítimas de bullying, podem estar condições como baixo rendimento escolar, falta às aulas sob a alegação de estar doente, ter conceito deficiente de si mesmo, ter seus materiais escolares danificados, apresentar alterações acentuadas de humor, entre outros indícios. Por outro lado, os agressores costumam demonstrar aspectos como atitude hostil e desafiadora em relação aos demais, passando a acreditar que a violência constitui forma legítima de conseguir o que querem, possuir objetos ou dinheiro que não sabem justificam a origem, etc. O desenvolvimento tecnológico também ocasionou a modalidade de bullying conhecida como cyberbullying.
Todas essas questões apresentam a demanda, tanto às famílias quanto à escola, para que sejam traçadas estratégias visando à conscientização dos perigos relacionados à prática do bullying. As consequências podem ser prejudiciais para todos os envolvidos, desde aqueles que o praticam, até os que o testemunham passivamente, ou ainda os que são vítimas dessa prática. Falar sobre esse assunto nos faz pensar sobre o quanto é urgente que as instituições escolares adotem práticas efetivas para o combate ao bullying, dentro e fora das instituições de ensino.

A Comunicação Não-Violenta Como Alternativa aos Conflitos na Convivência Escolar e a Contribuição do Psicopedagogo Institucional para Cultura da Paz

Nesse sentido, compreender as características da comunicação não-violenta poderá trazer importantes contribuições à convivência no espaço escolar. Debater os relacionamentos interpessoais, percebendo o quanto a comunicação adequada poderá contribuir para minimizar situações conflitivas, poderá trazer resultados benéficos para todos os envolvidos nesse debate.
Os quatro componentes da CNV são: 1. observação; 2. sentimento; 3. necessidade; 4. pedido.

Observação: Procuramos observar uma situação, a princípio, sem julgá-la, para compreendê-la adequadamente.

Sentimento: buscamos compreender o modo como algo nos afeta emocionalmente.

Necessidades: percebemos o que é necessário alterar em tal situação, para que seja atendida uma necessidade.

Pedido: expressamos a necessidade sentida por meio da verbalização.
A explicação do tema Comunicação Não-Violenta pode ser realizada no espaço da sala de aula, com intervenção previamente combinada e discutida entre psicopedagogo e professor. O psicopedagogo poderá estruturar sua apresentação e elaborar as dinâmicas e em seguida realizar a intervenção conforme já explicado. Para entender como a comunicação não-violenta funciona na prática, poderão ser analisados, com a turma de alunos, exemplos com os oferecidos a seguir:

Exemplo A: O Pedido da Professora

Imaginemos que a professora queira fazer uso do modo de CNV para se expressar em relação a determinado comportamento de um grupo de alunos, os quais não entregaram os trabalhos dentro do prazo estabelecido:
Tenho notado que vocês não trouxeram as lições pedidas nas aulas anteriores (observação). Isso me deixa muito incomodada, pois em breve teremos a avaliação e eu não tenho como avaliar as dificuldades de vocês nesse assunto (sentimento). Dessa forma, preciso que vocês me entreguem as tarefas para que possa corrigi-las (necessidade). Poderiam me entregar as atividades realizadas na próxima aula? (pedido).
No exemplo seguinte, um aluno sente-se prejudicado pelo uso de seus materiais pelos colegas. Tomei a liberdade de sugerir que, tanto quanto possível, a observação inicial possa conter também aspectos positivos, para minimizar resistências do interlocutor.

Exemplo B: O Uso Compartilhado de Materiais Escolares

Percebi que você usa os meus materiais quando está sem o seu. Sei que você é legal, e não se importa de emprestar os seus materiais também quando os colegas precisam (observação). Mas às vezes preciso de minha borracha e não faço ideia de onde está, porque os outros a pegam de sua mesa e não devolvem depois de usar. Isso me faz me sentir frustrado, porque atraso a conclusão de minhas atividades (sentimento). Somente preciso que você devolva depois que tiver usado (necessidade). Poderia colocar a borracha sobre a minha carteira depois que a tiver usado? (pedido).

Considerações Finais

Uma boa comunicação é algo essencial à superação de conflitos entre as pessoas. Nesse sentido, comunicar-se de modo mais eficiente poderia contribuir para a melhora nas condições envolvidas na convivência escolar, familiar e nos demais contextos sociais. Durante a intervenção, os educandos poderiam ser incentivados a elaborar seus próprios exemplos e a generalizar as habilidades aprendidas. Os depoimentos positivos ouvidos, de professores e educandos, após desenvolver reflexões sobre a Comunicação Não-Violenta em sala de aula, podem ser muito satisfatórios. Ajudar crianças e jovens a desenvolver potenciais em consonância com as exigências de nossa época, caracterizada por grandes transformações sociais, é algo desafiador e estimulante. Faz-nos indagar sobre o papel da escola frente às necessidades do presente. E para refletir sobre essas questões, termino com uma observação de Oliveira (2004, p. 79), que nos lembra a relação entre a educação e a possibilidade de preparar para o presente, para que possamos vivê-lo com plenitude.
  
Bibliografia

Bullyng não é legal. MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo.

NÉRICI, Imideo Giuseppe. Introdução à Orientação Educacional. São Paulo: Atlas, 1974.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Educação emocional: perspectivas para uma prática pedagógica. Pinhais: Editora Melo, 2009.

OLIVEIRA, Ivone Boechat. Competência emocional. Rio de Janeiro: Reproarte, 2004.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação Não-Violenta. São Paulo: Ágora, 2006.

SCHMIDT, Maria Junqueira; PEREIRA, Maria de Lourdes de Souza. Orientação educacional. Rio de Janeiro: Agir, 1973.