segunda-feira, 3 de março de 2014

Humanizar é Preciso


Dias atrás, encontrei uma colega de profissão que não via fazia algum tempo. Em meio à nossa conversa, como me perguntasse sobre o que eu estava lendo no momento, disse-lhe que recentemente tinha me interessado por um livro de Bruno Bettelheim, no qual o autor apresenta o caso de uma jovem com dificuldades escolares motivadas por situações ligadas ao divórcio dos pais. Ella, a jovem em questão, apresentava dificuldades acentuadas no processo de aprendizagem escolar, ainda que os pais se mostrassem bastante exigentes quanto a suas realizações acadêmicas, continuei. Retomada pelo autor com frequência, está a ideia de que não adianta mostrar-se severo com os filhos, em relação ao desempenho escolar, se os mesmos não sentirem que o interesse dos pais por eles próprios está acima do interesse pelo seu desempenho nos estudos. Quando cheguei a esse ponto fiz uma pausa para saber se a colega queria comentar algo. Pela expressão de seu rosto, deduzi que ela queria que eu continuasse. Conclui dizendo algo mais ou menos como segue. Para mim, a contribuição do autor com a discussão do caso, está no fato de que ele insere a dificuldade para aprender em um enfoque que vai além do próprio indivíduo, buscando a explicação no contexto mais amplo em que o sujeito está inserido.

O caso de Ella nos serve para lembrar que a educação é uma tarefa que não pode ser plenamente efetuada apenas pelo exercício burocrático de funções e papéis, por que o ato de educar é concretizado pela interação entre seres humanos, com as implicações da complexidade e singularidade de cada um dos sujeitos. Portanto, educar é algo que se cumpre apenas quando a presença de ambientes humanizados é possível, concluí. Fui até esse ponto, quando achei que o que havia dito servia como uma conclusão adequada para meu assunto.

Em seguida, a minha colega tomou a palavra e começou a me falar sobre o caso de um aluno que havia recebido em sua turma. Explicou sobre as dificuldades do educando ao longo de seu desenvolvimento, como nos momentos em que esteve em abrigos em decorrência de situações vivenciadas no espaço familiar. O fato é que esse educando tinha passado sem sucesso por vários professores, ora evadindo da escola, ora permanecendo nela, mas sem motivação para os estudos, explicou-me. Após apresentar mais algumas impressões pessoais a respeito dos desafios que encontraria no trabalho, ressaltou o fato de que estava conseguindo estabelecer um bom vínculo com o aluno, aspecto em que até então os professores anteriores não haviam encontrado resultados muito animadores. Depois acrescentou, a modo de conclusão, esse belo pensamento:

 

“A partir do momento em que uma escola é inclusiva, deve-se oferecer as condições necessárias para que o aluno seja efetivamente incluído”.

Lembrei-me, a essa altura, do comentário de um autor sobre o que diz Gramsci a respeito do potencial para filosofar existente entre as pessoas, quaisquer que sejam suas formações.

É essencial destruir – diz Gramsci – o difundido preconceito de que a filosofia é algo estranho e difícil porque é uma atividade intelectual específica de uma categoria particular de especialistas ou de filósofos profissionais ou sistemáticos. Antes de tudo é preciso demonstrar que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características da “filosofia espontânea” que é própria de todo o mundo (Attilio, 2010, p. 24).

 

Acredito que pensamentos como o de minha interlocutora representam bem o que foi exposto anteriormente. Essas reflexões, quando acompanhadas da prática efetiva, constituem, acredito, um dos caminhos mais viáveis para a mudança em relação aos problemas que têm sido apontados no campo da educação.

Dificuldades de aprendizado podem surgir até mesmo onde não acharíamos ser possível. O caso do aluno que sempre teve desempenho acima da média e que de repente, não se sabe por que motivo, começa a encontrar dificuldades no processo de aprender ilustra bem a situação. Quando adotamos uma postura que agrega valor humanizado ao trabalho educacional podemos perceber o quanto há de afetividade envolvida no ato de apropriação de conceitos. Aprendemos com a razão, mas também com tudo o mais que envolve a nossa humanidade.

Educadores convivem muitas horas com os seus educandos. Isso possibilita fazer uma enorme diferença em suas vidas nos momentos críticos. Já ouvi pessoas afirmarem que não há relação entre aprender e as condições familiares. Eu discordo desse pensamento. Não para responsabilizar as famílias, mas para ressaltar o quanto educadores sensíveis podem ser importantes em momentos de transição experimentados pelos alunos e suas famílias.

Ao longo desses anos, tenho tido a felicidade de conhecer pessoas como a colega mencionada. São essas, com suas capacidades de nos inspirar, pelo otimismo e seriedade com que desempenham a profissão, aquelas com quem podemos dizer que vale a pena trabalhar e conviver, pois demonstram estar convencidas da importância do que realizam.

E viva à educação humanizada!

 

Bibliografia    

 

BETTELHEIM, Bruno. Uma vida para seu filho. Rio de Janeiro,: Campus, 1988.

Monasta, Attilio. Antonio Gramsci. Recife: Editora Massangana, 2010.

154 p. (Coleção Educadores).