sexta-feira, 22 de maio de 2015

AS TRÊS PERGUNTAS DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

“Psicopedagogia constitui uma nova área de conhecimentos sistematizados, cujo florescimento está na dependência do desenvolvimento não apenas da Psicologia e da Pedagogia, como também da Psicolinguística e da Neuropsicologia, entre outras” (Lomonico, 2005, p. 93).


Por questões de espaço, a discussão a seguir estará focada nas ações realizadas pelos profissionais de Psicopedagogia no âmbito da instituição. Estas ocorrerão sem prejuízo de outros procedimentos necessários ao atendimento das necessidades educacionais específicas dos educandos, como a avaliação feita pelos profissionais do AEE, quando esta se fizer necessária. O trabalho psicopedagógico contempla, entre outras ações, a avaliação da natureza específica de um bloqueio relacionado à aprendizagem. Na atuação institucional, esse olhar se faz em dupla direção, para o sujeito que aprende e para o contexto em que é ensinado. Em nossa experiência, consideramos que a avaliação psicopedagógica tem por objetivo prover os recursos necessários para atender as necessidades instaladas em algum momento do processo de ensino e aprendizagem. Esses recursos envolvem os aspectos materiais e humanos necessários para corrigir ou minimizar a dificuldade identificada. Ao final do processo de avaliação, poderão ser disponibilizados materiais específicos, bem como adequações envolvendo as estratégias de ensino e alterações nas condições referentes ao âmbito atitudinal da instituição. A aprendizagem e as dificuldades ocorridas nesse processo constituem um assunto complexo. Assim, em primeiro lugar se coloca um “para quê”. Quer dizer, para que a avaliação está sendo solicitada? A resposta ideal ao “para quê” poderia ser algo do tipo: “para redimensionar o processo de ensino e promover as adequações necessárias, a fim de que o educando aprenda”. A avaliação psicopedagógica possui natureza dinâmica. Assim, não seria equivocado supor que, ao final do processo de avaliação, a intervenção inclua observações referentes ao modo como algo é ensinado ou à forma como os vínculos são formados dentro desse contexto. É importante refletir sobre o “para quê” dos encaminhamentos, uma vez que muitas formas de diagnóstico acabam se tornando, no final, apenas instrumentos que responsabilizam o educando pelo seu fracasso em aprender, deixando implícitas as suposições de que todos devem aprender da mesma forma, no mesmo tempo, com as mesmas estratégias pedagógicas. Tais suposições se baseiam, naturalmente, em concepções equivocadas do ensinar e do aprender. Em segundo lugar, se coloca um “como”, pois esse processo é complexo, em decorrência da heterogeneidade das características presentes em cada sujeito, mesmo dentro dos casos relacionados a causas relativamente conhecidas subjacentes à dificuldade, tais como discalculia, dislexia, etc. Como fazer uma avaliação? Podemos avaliar usando os instrumentos convencionalmente utilizados na Psicopedagogia. Podemos recorrer à observação da dinâmica da sala de aula. Podemos avaliar de modo informal, pela observação direta do sujeito inserido em diversas atividades no contexto escolar (desenhos livres, brincadeiras com os colegas, interações espontâneas, aula de educação física, informática, etc). Essa observação ampla, realizada em múltiplos contextos, permite responder mais uma questão: “O quê”. Pensarmos sobre ela também é importante, para evitar atitudes reducionistas. O que se pretende avaliar? Serão avaliadas apenas as questões envolvidas na queixa, ou também serão observados outros aspectos, tais como as habilidades e conhecimentos que o sujeito apresenta em outras situações e mesmo obstáculos existentes no âmbito institucional? É importante que se considerem os aspectos a serem avaliados de modo mais amplo, não apenas o que está contido na queixa. Temos observado que as áreas do desenvolvimento em que o avaliado apresenta melhores desempenhos constituem uma fonte de motivação para ajudá-lo a ressignificar sua presença no espaço escolar. 

Estudo de Caso
Entrevista Com Responsável

Eu o chamarei pelo nome fictício Jonas. Foi encaminhado para atendimento psicopedagógico em decorrência das dificuldades de aprendizado escolar. Os seus responsáveis foram chamados para a realização de entrevista psicopedagógica. Quando os entrevistados compareceram, falaram sobre as dificuldades de aprendizado do filho, mas também mencionaram que na cidade onde residiam anteriormente, havia sido mencionada a existência de dificuldade de relacionamento do educando com seus colegas no espaço escolar com frequência. Conforme foi relatado, J. era frequentemente vítima da prática de bullying no espaço escolar na cidade de onde veio. Sua reação a isso sempre foi de agressividade. A entrevista com os responsáveis foi importante para aprofundar as questões observadas no desenho que J. havia elaborado durante o seu atendimento. Suas produções gráficas foram confrontadas com outras situações do atendimento, de observações, de entrevistas com os responsáveis e educadores, confirmando que a agressividade verbal ocorria em vários contextos frequentados pelo educando. A autoestima também poderia ser um fator em que necessitava de atenção, pois diante de pessoas estranhas, conforme relatou o entrevistado, J. costumava levar a mão ao rosto, na tentativa de ocultar uma marca física que o incomoda, para cuja correção será feita cirurgia quando alcançar a idade recomendada pelo especialista que acompanha o caso. Outra questão sobre a qual o entrevistado falou foi a respeito dos desenhos de J., área pela qual sempre demonstrou especial interesse, destacando-se em suas produções pelo modo como elas transmitem a emoção de seus personagens. Depois que conclui seus desenhos, os mesmos são cuidadosamente guardadas em um pasta, em sua casa.

Sobre o Atendimento ao Educando

Quando J. chegou à sala de Psicopedagogia, manteve-se, a princípio, de modo tímido. Aos poucos foi se soltando e se tornando mais comunicativo. Em determinado momento da avaliação, foi-lhe dada a consigna do Par Educativo. Não demorou para realizar o que foi pedido. À media que realizava as atividades solicitadas, J falava de vários assuntos de seu interesse. Ficou entusiasmado com o elogio recebido por um de seus desenhos e daí em diante não foi notada nenhuma atitude de retraimento de sua parte. Outros desenhos foram feitos na mesma folha de sulfite, ocupando os espaços ainda existentes. Conforme as ideias vinham a sua mente, foi desenhando situações relacionadas à história dos dinossauros, à astronomia e a outros assuntos. J. tem um estilo de aprendizado predominantemente visual. Seu interesse pelo mundo visual pode ser um elemento importante para promover o desenvolvimento de seus conhecimentos escolares.
O desenho do Par Educativo e a análise do contexto avaliativo mais amplo possibilitaram perceber que atualmente existe um vínculo muito sólido entre J. e sua professora.
Alguém poderá constatar o fato óbvio de que J. necessita de encaminhamento para receber acompanhamento profissional em relação à agressividade constatada. Isso pode ser verdadeiro, mas não envolve todas as ações necessárias. Outra ação importante seria orientar os educadores para levar para a aula os temas relacionados à convivência. Ainda outra ação seria levantar a questão de quais serão as ações possíveis para desenvolver seu aprendizado? Além disso, poderíamos questionar sobre que espaço a sua habilidade artística desempenhará nas ações pedagógicas destinadas à promoção de seu aprendizado escolar.
Durante a entrevista com seu responsável, foi possível perceber que J. passa horas pesquisando no computador a respeito das técnicas do desenho. Essa é uma área em que se percebe o compromisso dele com o aprender. Não com o aprender algo fora de um contexto ou que não preencha uma necessidade sentida. Seu compromisso é com aprender algo em que se sente competente e que possa ter um sentido de troca, de interação. Existe uma tendência a deixar de desenhar demonstrada por sujeitos que gostam de fazê-lo entre o final da infância e início da adolescência (Cox, 2007, p. 5). O desaparecimento do “encanto” por essa atividade talvez não ocorra se a escola oportunizar ocasiões para que essas produções sejam valorizadas.





INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS REALIZADAS

Na Sala de Aula

Desenvolvimento de atividades com foco no respeito pelas diferenças individuais e autoestima. Livro: “Você é Especial”. Autor: Max Luccado.
Sugestão aos educadores: avaliar o progresso do educando de modo diversificado, que considerem os pontos fortes de seu desenvolvimento, tais como a oralidade e a expressão gráfica.

Atividades Diferenciadas

Desenvolvimento de um projeto sobre quadrinhos. Exploração da tipologia textual. O educando J. ficará responsável por ilustrar a história desenvolvida pelo grupo. Usar os recursos de divulgação disponíveis na unidade escolar (mural, recursos tecnológicos, etc).

Reforço

Encaminhamento de J. para projeto de alfabetização que utilize metodologia diferenciada.

ENCAMINHAMENTOS

Encaminhamento de J. para atendimentos necessários na área da saúde.

Conclusões

O caso de J. nos faz pensar que a ajuda efetiva às crianças com dificuldades de aprender vai muito além de identificar entraves existentes no âmbito orgânico. A questão precisa ser aprofundada na dimensão das mudanças possíveis no nível das filosofias de trabalho da instituição. Um lugar para aprender deve ser um ambiente caracterizado pelo respeito às diferenças individuais, pelo acolhimento e apoio durante os momentos de dificuldade demonstrados nesse processo. O acolhimento das diferenças na instituição é uma atitude favorável para ajudar a romper os bloqueios do aprender. A capacidade de expressão verbal de J., bem como sua motivação para desenhar, se constituiu em uma forma de ajudá-lo a enriquecer seus conhecimentos. Enquanto conversa está sempre fazendo perguntas sobre as áreas do conhecimento que lhe interessam. Isso evidenciou não existir um obstáculo no aprender, mas que as experiências frequentes de fracasso podem gerar resistência ao ensino escolar. Várias mudanças positivas foram observadas a partir do início do atendimento de J., como a melhora significativa de seu comportamento em relação aos colegas e aos estudos. Percebe-se que está mais autoconfiante e não foram apresentadas novas queixas comportamentais. As ações psicopedagógicas desenvolvidas com J. possibilitaram observar que uma escola “humanizada”, em que a dimensão dos relacionamentos é considerada com atenção, pode promover mudanças importantes em relação à ressignificação do espaço escolar, nos casos em que são identificadas dificuldades no processo de aprendizagem.


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As imagens foram divulgadas com autorização e os nomes substituídos por nomes fictícios.



Bibliografia
COX, Maureen. Desenho da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LOMONICO, Circe Ferreira. Coordenador pedagógico: o técnico e psicopedagogo. São Paulo: Edicon, 2005. 3 ed.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

A Arte de Construir Pontes

Conta-se a história de dois irmãos que, depois de um grave desentendimento, deixaram de se falar. A situação causava estranheza, ainda mais quando resolveram construir muros ao redor de suas residências, impedindo, um ao outro, o acesso às mesmas. O mais velho tomou a iniciativa, no que foi seguido pelo mais novo, de chamar um construtor que havia chegado àquele lugar e dar a seguinte ordem:
_ Levante um muro bem alto ao redor de minha casa, para que eu não tenha o desprazer sequer de, por acaso, ver novamente a face de meu irmão.
O construtor começou cedo o seu trabalho, no dia seguinte, enquanto os irmãos resolviam umas questões pendentes, relacionadas à partilha de uma herança. Durante todo aquele dia, ficaram fora, assim como no outro e no seguinte. Enquanto voltavam para casa, de vez em quando pensavam na ordem dada e imaginavam a que altura o muro deveria estar.
Para a surpresa de ambos, ao retornarem, viram o empregado concluindo os últimos detalhes da construção, que não era um muro. Era uma ponte feita sobre um córrego que atravessava suas terras e que agora permitia maior acesso entre suas respectivas propriedades. Um dos irmãos tomou a iniciativa de ir conversar com o empregado e pedir satisfações. Não havia ficado claro que deveria ter feito muros ao redor das casas?
Alegando cansaço, o funcionário disse que iria embora, mas que no dia seguinte, após ter descansado um pouco, viria para conversar com ambos. A questão é que não veio no dia combinado, nem no outro ou no seguinte. O tempo foi passando e, dias depois, quando apareceu para receber pelo seu trabalho, encontrou os dois irmãos conversando. A amizade estava reconstruída como antes. Quando o avistaram, logo foram em sua direção e agradeceram pelo feliz “equívoco” cometido, pois isso havia possibilitado a paz novamente. Quiseram até contratar os serviços do construtor de modo permanente, para que ficasse por ali.
_ Obrigado, respondeu o construtor. E dizendo isso, completou: “tenho outras pontes para construir”.

Depois disso, desapareceu. Alguns dizem tê-lo visto por aí, repetindo o que costumava dizer quando tinha a oportunidade: a humanidade precisa de mais pontes.