terça-feira, 17 de novembro de 2015

Os Mecanismos de Defesa do Ego em Educandos com Dificuldades de Aprendizagem e sem Obstáculo Epistêmico

  
O presente trabalho constitui um resumo do estudo monográfico apresentado por ocasião da conclusão da formação psicanalítica. No trabalho original, além do termo de consentimento dos responsáveis, foi obtida a autorização da Secretaria de Educação do referido município, para a realização da presente pesquisa. Os nomes dos avaliados foram substituídos pelos termos genéricos “menino” / ”menina”, seguidos das suas respectivas idades e da apresentação resumida do caso. Entre os instrumentos utilizados durante o atendimento psicopedagógico, podemos mencionar as provas piagetianas (Weiss, 2008) e o Par Educativo (Chamat, 2008).
O propósito da pesquisa foi investigar a presença de aspectos afetivos em educandos que apresentaram dificuldades em relação ao aprendizado escolar, embora em condições de desenvolvimento cognitivo normais. O interesse pelo tema se justifica, pois a compreensão do papel que os mecanismos de defesa do ego desempenham nas dificuldades de aprendizagem possibilita o desenvolvimento de ações que contribuirão para elevar a qualidade das condições afetivas vivenciadas pelos educandos, tanto na instituição escolar quanto no espaço familiar.
Optamos por uma concepção de desenvolvimento humano em que o sujeito é compreendido em suas diferentes possibilidades, o que deve incluir também sua dimensão afetiva. Assim, na investigação de um problema de aprendizagem, devem ser observados os diversos fatores capazes de alterar as condições do desenvolvimento normal, tais como os aspectos cognitivos, pedagógicos e emocionais, levando em conta que essas dimensões estão em constante interação, o que influencia o produto que o sujeito é capaz de apresentar em condições de ensino e aprendizagem. De acordo com Weiss (2008, p. 24-25):
Aspectos emocionais estariam ligados ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a construção do conhecimento e a expressão deste através da produção escolar. Remete aos aspectos inconscientes envolvidos no ato de aprender (op. cit. p. 25).

Em nossa experiência diária, percebemos que a interferência dos fatores emocionais durante uma situação de atendimento psicopedagógico pode ser constatada, por exemplo, quando uma determinada consigna é apresentada ao educando, que em vez de realizar o que se pediu, cria algo aparentemente sem relação com o que foi afirmado. Percebemos que a existência do obstáculo epistemofílico insere a demanda da afetividade no trabalho pedagógico e apresenta algumas questões. Porque o objeto do conhecimento pode se transformar em algo temeroso? Como contribuir para que educandos com dificuldades de aprendizado escolar recuperem o amor pelo conhecimento? Porque alguns educandos com dificuldades de aprendizagem agem, diante da comanda do par educativo, como se não a tivessem ouvido? Nesse último caso, em vez de criarem algo relacionado à situação de ensino e aprendizagem, conforme solicitado, apresentam cenas ligadas a outros contextos. Qual a relação entre esses conteúdos projetados e as ações necessárias para ajudá-los? Exemplos como esse nos fizeram questionar sobre os limites que alguns instrumentos podem apresentar em determinados momentos do atendimento psicopedagógico, trazendo a necessidade de ampliação de nosso referencial teórico, pela investigação dos subsídios embasados pela teoria psicanalítica. Essa questão nos levou ao estudo do tema referente aos mecanismos de defesa do ego.
A hipótese inicial foi que a existência de mecanismos de defesa do ego, quando presentes nos casos não relacionados ao desempenho abaixo do esperado para as idades dos educandos, poderia ser um indicador de que aspectos externos ao organismo poderiam estar colaborando para a instalação de condições que acabam produzindo a dificuldade de aprender. Por outro lado, também achamos importante investigar se os mecanismos de defesa do ego seriam uma resposta apenas à dificuldade de apropriação dos conhecimentos escolares.

Os Mecanismos de Defesa do Ego
Historicamente, de acordo com Roudinesco (1998), o surgimento do conceito de mecanismos de defesa do ego ocorre nos ensinos de Freud a partir de 1894, com o texto “As neuropsicoses de defesa”, e, de acordo com a mesma autora, a noção de “defesa” foi concebida por Freud como “o eixo do funcionamento neurótico em relação aos processos de organização do eu” (idem). O interesse de Freud consistiu em compreender a maneira como o eu reage diante “das solicitações capazes de perturbá-lo” (idem). Esses elementos perturbadores podem se originar em fonte externa ou interna.
Para compreender os mecanismos de defesa do ego, é importante refletir sobre outro conceito, o qual diz respeito ao prazer. O prazer ultrapassa a dimensão da necessidade. Por isso, o bebê pode continuar buscando o seio materno depois de saciada sua fome (Nasio, 1999, p. 47). Portanto, podemos concluir que o prazer encontra-se vinculado à motivação, atendendo uma necessidade que ultrapassa o limite do orgânico. Em vista dessas considerações, é possível concluir que, mesmo um comportamento de evitar se concentrar na aula quando a disciplina não consegue ser aprendida ou assumir a atitude indisciplinada diante da mesma situação, pode ser algo que esconde um sofrimento psíquico do sujeito, bem como o refúgio na fantasia para encontrar, em relação a um objeto apresentado, uma alternativa em que o prazer não se encontre suprimido. É nesse sentido que a finalidade da fantasia pode ser percebida. Ela tem a função de aliviar o apelo de um desejo não atendido, por meio de um disfarce (Nasio, 2007, p. 11).

Exemplos Observados Durante Atendimento Psicopedagógico
As considerações teóricas anteriores, a respeito da fantasia, ou seja, seu caráter inconsciente e substitutivo de uma situação desprazerosa, trazem à mente o caso de uma criança de sete anos, que, ao ser incentivada a acrescentar detalhes a uma situação trazida para o atendimento, ria como que surpresa de ter sido a autora da situação que acabara de projetar na folha de sulfite diante de si. Em sua fantasia, inventou uma situação de conflito entre uma diretora de escola e um professor, cujo desentendimento levou a primeira a fazer um feitiço para que o segundo quebrasse a perna e não conseguisse ir à escola. Nesse caso, o desejo não atendido – de aprender, é substituído por outro – de não ir à escola.
No exemplo dado a seguir, pôde-se perceber que a criança que estava sendo avaliada não se manteve nos limites da comanda do Par Educativo. Pelo contrário, desenhou algo que parecia muito mais voltado a outras necessidades imediatas de sua vida familiar:


Neste caso, é bem sugestivo o diálogo que a criança desenvolve entre os personagens desenhados. Conforme ela afirma, o personagem masculino (à esquerda) é o pai da menina (personagem ao centro) da ilustração. Quando a personagem manifesta o desejo de entrar na floresta, o primeiro diz:
 “_ Eu não gosto disso que você está fazendo”.
Em seguida, a menina resolve desobedecer e entrar na “caverna” (antes definida como “floresta”), para ficar “de boca aberta” ao descobrir que o macaco tinha uma família lá dentro. Quando retorna de sua descoberta, seu pai não estava mais no mesmo local, havia ido embora e a deixado sozinha. Como foi possível perceber, após a realização de anamnese com responsável, que os aspectos projetados pela criança estavam relacionados a acontecimentos bem próximos a sua própria história familiar. A personagem criada pela aluna tinha o desejo de conhecimento, porém com a presença de um adulto lhe dando segurança. É na fantasia que percebemos que o mecanismo de defesa do ego denominado “compensação” ocorreu neste caso. 
Um educando com dificuldade de aprendizagem recebeu atendimento psicopedagógico. Nessa ocasião, foi-lhe comunicada a consigna do Par Educativo: “Agora, gostaria que você desenhasse duas pessoas, uma delas está ensinando, a outra está aprendendo”. Foi interessante observar que o desenho retratou a escola do lado de fora, como se o autor do desenho fosse um observador externo, em vez de participante da instituição. A situação também não apresentava as duas pessoas solicitadas na consigna. Nesse caso, o significante apresentado estava relacionado a um significado latente, uma vez que o educando se colocava, a princípio, fora da cena em que os elementos são interpretados. Portanto, não seria possível compreender a projeção nesse caso fazendo uso de instrumentos cuja análise depende de aspectos como a posição do aprendente em relação ao ensinante, uma vez que ambos estavam ausentes da cena representada. Nesse caso, seria necessário recorrer a outro referencial, em que fosse possível contrastar os dados observados em atendimento, a fim de compreender o significado do desenho produzido. Como mecanismo de defesa, poderíamos entender que o que foi projetado nesse caso se tratava de ”anulação”.

Aspectos Quantitativos da Pesquisa
Total de Alunos Avaliados: 59
Período de Realização da Pesquisa: 1° e 2° bimestres de 2015
Idades dos avaliados: indivíduos entre 6 anos e 11 anos e 10 meses.
Total de Educandos com Dificuldades de Aprendizado Escolar e Sem Obstáculo Epistêmico: 30
Análise de Casos e Discussão dos Resultados

Dos 59 casos que compuseram a amostra, foram encontrados 30 que não apresentaram obstáculo epistêmico. Os números incluídos na tabela correspondem à ordem em que a avaliação do sujeito foi apresentada na monografia. A descrição dos mecanismos de defesa do ego pode ser apresentada de acordo com a seguinte tabela:
Tipo de Mecanismo
Números relacionados
Regressão
6, 13, 20, 26, 31, 42, 43, 46, 59
Agressão voltada para a própria pessoa
49


Acting out
3, 38

Conclusões
Conforme os dados obtidos, é possível observar que existe um percentual significativo de alunos cuja dificuldade de aprender é existente mesmo na ausência de obstáculo epistêmico que o pudesse justificar. Para ser mais exato, entre os 30 casos em que se constatou desempenho epistêmico normal, 18 sujeitos que compuseram a amostra apresentaram alguma espécie de comportamento ansioso, enquanto 12 deles apresentaram algum tipo de mecanismo de defesa do ego. Isso quer dizer que 60% dos casos envolvendo dificuldade de aprendizagem envolvem também alguma questão emocional, um percentual muito expressivo para ser ignorado. Tal resultado evidencia a importância do olhar atento aos fatores de natureza afetiva, os quais podem trazer consequências para o aprendizado. O aprofundamento da interpretação e o conhecimento da teoria psicanalítica poderão, nesse sentido, contribuir significativamente para a compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar, bem como em relação às estratégias necessárias para auxiliar educandos e educadores na aquisição de uma melhor compreensão da presença dos elementos afetivos no processo de ensino e aprendizagem. Acreditamos que os dados obtidos evidenciam que a oferta de uma educação que faça a diferença deve ser caracterizada por romper com a prática educacional baseada em dicotomias artificiais, do tipo cognição/emoção, instruir/educar, que não correspondem àquilo que a realidade atual apresenta como sendo necessário ao trabalho educacional. De acordo com uma das definições desta pesquisa, a neurose pode ser compreendida como o resultado de uma dificuldade do ego em atender uma demanda derivada da necessidade do indivíduo. Portanto, podemos pensar que se o fortalecimento do ego constitui um dos propósitos da educação formal, seríamos levados a diluir a barreira imaginária entre o que pertence ao psíquico e o que pertence à pedagogia, pois além de elaborar defesas quando suas demandas não são atendidas, o ego também é a parte que utilizamos ao perceber ou refletir sobre aspectos da realidade. Nesse sentido, os propósitos da educação e da saúde convergem.  







Bibliografia
BÉDARD, Nicole. Como interpretar os desenhos das crianças. Editora Isis: São Paulo, 2010.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Nasio, Juan-David. A fantasia: O prazer de ler Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

________________. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.


ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.


CHAMAT, Leila Sara José. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem interacionista. São Paulo: Vetor, 2008.

VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
___________. Técnicas Projetivas Psicopedagógicas e Pautas Gráficas para sua Interpretação. Compiladora: Susana Rozenmacher. 4ª ed. Buenos Aires: Visca & Visca, 2013.  
WEISS, Maria Lucia M. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. 13 ed.





sexta-feira, 22 de maio de 2015

AS TRÊS PERGUNTAS DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

“Psicopedagogia constitui uma nova área de conhecimentos sistematizados, cujo florescimento está na dependência do desenvolvimento não apenas da Psicologia e da Pedagogia, como também da Psicolinguística e da Neuropsicologia, entre outras” (Lomonico, 2005, p. 93).


Por questões de espaço, a discussão a seguir estará focada nas ações realizadas pelos profissionais de Psicopedagogia no âmbito da instituição. Estas ocorrerão sem prejuízo de outros procedimentos necessários ao atendimento das necessidades educacionais específicas dos educandos, como a avaliação feita pelos profissionais do AEE, quando esta se fizer necessária. O trabalho psicopedagógico contempla, entre outras ações, a avaliação da natureza específica de um bloqueio relacionado à aprendizagem. Na atuação institucional, esse olhar se faz em dupla direção, para o sujeito que aprende e para o contexto em que é ensinado. Em nossa experiência, consideramos que a avaliação psicopedagógica tem por objetivo prover os recursos necessários para atender as necessidades instaladas em algum momento do processo de ensino e aprendizagem. Esses recursos envolvem os aspectos materiais e humanos necessários para corrigir ou minimizar a dificuldade identificada. Ao final do processo de avaliação, poderão ser disponibilizados materiais específicos, bem como adequações envolvendo as estratégias de ensino e alterações nas condições referentes ao âmbito atitudinal da instituição. A aprendizagem e as dificuldades ocorridas nesse processo constituem um assunto complexo. Assim, em primeiro lugar se coloca um “para quê”. Quer dizer, para que a avaliação está sendo solicitada? A resposta ideal ao “para quê” poderia ser algo do tipo: “para redimensionar o processo de ensino e promover as adequações necessárias, a fim de que o educando aprenda”. A avaliação psicopedagógica possui natureza dinâmica. Assim, não seria equivocado supor que, ao final do processo de avaliação, a intervenção inclua observações referentes ao modo como algo é ensinado ou à forma como os vínculos são formados dentro desse contexto. É importante refletir sobre o “para quê” dos encaminhamentos, uma vez que muitas formas de diagnóstico acabam se tornando, no final, apenas instrumentos que responsabilizam o educando pelo seu fracasso em aprender, deixando implícitas as suposições de que todos devem aprender da mesma forma, no mesmo tempo, com as mesmas estratégias pedagógicas. Tais suposições se baseiam, naturalmente, em concepções equivocadas do ensinar e do aprender. Em segundo lugar, se coloca um “como”, pois esse processo é complexo, em decorrência da heterogeneidade das características presentes em cada sujeito, mesmo dentro dos casos relacionados a causas relativamente conhecidas subjacentes à dificuldade, tais como discalculia, dislexia, etc. Como fazer uma avaliação? Podemos avaliar usando os instrumentos convencionalmente utilizados na Psicopedagogia. Podemos recorrer à observação da dinâmica da sala de aula. Podemos avaliar de modo informal, pela observação direta do sujeito inserido em diversas atividades no contexto escolar (desenhos livres, brincadeiras com os colegas, interações espontâneas, aula de educação física, informática, etc). Essa observação ampla, realizada em múltiplos contextos, permite responder mais uma questão: “O quê”. Pensarmos sobre ela também é importante, para evitar atitudes reducionistas. O que se pretende avaliar? Serão avaliadas apenas as questões envolvidas na queixa, ou também serão observados outros aspectos, tais como as habilidades e conhecimentos que o sujeito apresenta em outras situações e mesmo obstáculos existentes no âmbito institucional? É importante que se considerem os aspectos a serem avaliados de modo mais amplo, não apenas o que está contido na queixa. Temos observado que as áreas do desenvolvimento em que o avaliado apresenta melhores desempenhos constituem uma fonte de motivação para ajudá-lo a ressignificar sua presença no espaço escolar. 

Estudo de Caso
Entrevista Com Responsável

Eu o chamarei pelo nome fictício Jonas. Foi encaminhado para atendimento psicopedagógico em decorrência das dificuldades de aprendizado escolar. Os seus responsáveis foram chamados para a realização de entrevista psicopedagógica. Quando os entrevistados compareceram, falaram sobre as dificuldades de aprendizado do filho, mas também mencionaram que na cidade onde residiam anteriormente, havia sido mencionada a existência de dificuldade de relacionamento do educando com seus colegas no espaço escolar com frequência. Conforme foi relatado, J. era frequentemente vítima da prática de bullying no espaço escolar na cidade de onde veio. Sua reação a isso sempre foi de agressividade. A entrevista com os responsáveis foi importante para aprofundar as questões observadas no desenho que J. havia elaborado durante o seu atendimento. Suas produções gráficas foram confrontadas com outras situações do atendimento, de observações, de entrevistas com os responsáveis e educadores, confirmando que a agressividade verbal ocorria em vários contextos frequentados pelo educando. A autoestima também poderia ser um fator em que necessitava de atenção, pois diante de pessoas estranhas, conforme relatou o entrevistado, J. costumava levar a mão ao rosto, na tentativa de ocultar uma marca física que o incomoda, para cuja correção será feita cirurgia quando alcançar a idade recomendada pelo especialista que acompanha o caso. Outra questão sobre a qual o entrevistado falou foi a respeito dos desenhos de J., área pela qual sempre demonstrou especial interesse, destacando-se em suas produções pelo modo como elas transmitem a emoção de seus personagens. Depois que conclui seus desenhos, os mesmos são cuidadosamente guardadas em um pasta, em sua casa.

Sobre o Atendimento ao Educando

Quando J. chegou à sala de Psicopedagogia, manteve-se, a princípio, de modo tímido. Aos poucos foi se soltando e se tornando mais comunicativo. Em determinado momento da avaliação, foi-lhe dada a consigna do Par Educativo. Não demorou para realizar o que foi pedido. À media que realizava as atividades solicitadas, J falava de vários assuntos de seu interesse. Ficou entusiasmado com o elogio recebido por um de seus desenhos e daí em diante não foi notada nenhuma atitude de retraimento de sua parte. Outros desenhos foram feitos na mesma folha de sulfite, ocupando os espaços ainda existentes. Conforme as ideias vinham a sua mente, foi desenhando situações relacionadas à história dos dinossauros, à astronomia e a outros assuntos. J. tem um estilo de aprendizado predominantemente visual. Seu interesse pelo mundo visual pode ser um elemento importante para promover o desenvolvimento de seus conhecimentos escolares.
O desenho do Par Educativo e a análise do contexto avaliativo mais amplo possibilitaram perceber que atualmente existe um vínculo muito sólido entre J. e sua professora.
Alguém poderá constatar o fato óbvio de que J. necessita de encaminhamento para receber acompanhamento profissional em relação à agressividade constatada. Isso pode ser verdadeiro, mas não envolve todas as ações necessárias. Outra ação importante seria orientar os educadores para levar para a aula os temas relacionados à convivência. Ainda outra ação seria levantar a questão de quais serão as ações possíveis para desenvolver seu aprendizado? Além disso, poderíamos questionar sobre que espaço a sua habilidade artística desempenhará nas ações pedagógicas destinadas à promoção de seu aprendizado escolar.
Durante a entrevista com seu responsável, foi possível perceber que J. passa horas pesquisando no computador a respeito das técnicas do desenho. Essa é uma área em que se percebe o compromisso dele com o aprender. Não com o aprender algo fora de um contexto ou que não preencha uma necessidade sentida. Seu compromisso é com aprender algo em que se sente competente e que possa ter um sentido de troca, de interação. Existe uma tendência a deixar de desenhar demonstrada por sujeitos que gostam de fazê-lo entre o final da infância e início da adolescência (Cox, 2007, p. 5). O desaparecimento do “encanto” por essa atividade talvez não ocorra se a escola oportunizar ocasiões para que essas produções sejam valorizadas.





INTERVENÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS REALIZADAS

Na Sala de Aula

Desenvolvimento de atividades com foco no respeito pelas diferenças individuais e autoestima. Livro: “Você é Especial”. Autor: Max Luccado.
Sugestão aos educadores: avaliar o progresso do educando de modo diversificado, que considerem os pontos fortes de seu desenvolvimento, tais como a oralidade e a expressão gráfica.

Atividades Diferenciadas

Desenvolvimento de um projeto sobre quadrinhos. Exploração da tipologia textual. O educando J. ficará responsável por ilustrar a história desenvolvida pelo grupo. Usar os recursos de divulgação disponíveis na unidade escolar (mural, recursos tecnológicos, etc).

Reforço

Encaminhamento de J. para projeto de alfabetização que utilize metodologia diferenciada.

ENCAMINHAMENTOS

Encaminhamento de J. para atendimentos necessários na área da saúde.

Conclusões

O caso de J. nos faz pensar que a ajuda efetiva às crianças com dificuldades de aprender vai muito além de identificar entraves existentes no âmbito orgânico. A questão precisa ser aprofundada na dimensão das mudanças possíveis no nível das filosofias de trabalho da instituição. Um lugar para aprender deve ser um ambiente caracterizado pelo respeito às diferenças individuais, pelo acolhimento e apoio durante os momentos de dificuldade demonstrados nesse processo. O acolhimento das diferenças na instituição é uma atitude favorável para ajudar a romper os bloqueios do aprender. A capacidade de expressão verbal de J., bem como sua motivação para desenhar, se constituiu em uma forma de ajudá-lo a enriquecer seus conhecimentos. Enquanto conversa está sempre fazendo perguntas sobre as áreas do conhecimento que lhe interessam. Isso evidenciou não existir um obstáculo no aprender, mas que as experiências frequentes de fracasso podem gerar resistência ao ensino escolar. Várias mudanças positivas foram observadas a partir do início do atendimento de J., como a melhora significativa de seu comportamento em relação aos colegas e aos estudos. Percebe-se que está mais autoconfiante e não foram apresentadas novas queixas comportamentais. As ações psicopedagógicas desenvolvidas com J. possibilitaram observar que uma escola “humanizada”, em que a dimensão dos relacionamentos é considerada com atenção, pode promover mudanças importantes em relação à ressignificação do espaço escolar, nos casos em que são identificadas dificuldades no processo de aprendizagem.


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As imagens foram divulgadas com autorização e os nomes substituídos por nomes fictícios.



Bibliografia
COX, Maureen. Desenho da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LOMONICO, Circe Ferreira. Coordenador pedagógico: o técnico e psicopedagogo. São Paulo: Edicon, 2005. 3 ed.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

A Arte de Construir Pontes

Conta-se a história de dois irmãos que, depois de um grave desentendimento, deixaram de se falar. A situação causava estranheza, ainda mais quando resolveram construir muros ao redor de suas residências, impedindo, um ao outro, o acesso às mesmas. O mais velho tomou a iniciativa, no que foi seguido pelo mais novo, de chamar um construtor que havia chegado àquele lugar e dar a seguinte ordem:
_ Levante um muro bem alto ao redor de minha casa, para que eu não tenha o desprazer sequer de, por acaso, ver novamente a face de meu irmão.
O construtor começou cedo o seu trabalho, no dia seguinte, enquanto os irmãos resolviam umas questões pendentes, relacionadas à partilha de uma herança. Durante todo aquele dia, ficaram fora, assim como no outro e no seguinte. Enquanto voltavam para casa, de vez em quando pensavam na ordem dada e imaginavam a que altura o muro deveria estar.
Para a surpresa de ambos, ao retornarem, viram o empregado concluindo os últimos detalhes da construção, que não era um muro. Era uma ponte feita sobre um córrego que atravessava suas terras e que agora permitia maior acesso entre suas respectivas propriedades. Um dos irmãos tomou a iniciativa de ir conversar com o empregado e pedir satisfações. Não havia ficado claro que deveria ter feito muros ao redor das casas?
Alegando cansaço, o funcionário disse que iria embora, mas que no dia seguinte, após ter descansado um pouco, viria para conversar com ambos. A questão é que não veio no dia combinado, nem no outro ou no seguinte. O tempo foi passando e, dias depois, quando apareceu para receber pelo seu trabalho, encontrou os dois irmãos conversando. A amizade estava reconstruída como antes. Quando o avistaram, logo foram em sua direção e agradeceram pelo feliz “equívoco” cometido, pois isso havia possibilitado a paz novamente. Quiseram até contratar os serviços do construtor de modo permanente, para que ficasse por ali.
_ Obrigado, respondeu o construtor. E dizendo isso, completou: “tenho outras pontes para construir”.

Depois disso, desapareceu. Alguns dizem tê-lo visto por aí, repetindo o que costumava dizer quando tinha a oportunidade: a humanidade precisa de mais pontes.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Avaliação Psicopedagógica de Crianças em Idade Pré-Escolar

Estou trabalhando na elaboração de uma avaliação para as crianças em idade pré-escolar. O objetivo é identificar possíveis atrasos e elaborar um plano de intervenção para os casos em que se observar a necessidade. Parto do pressuposto de que não é necessário esperar os anos escolares para detectar aspectos do desenvolvimento que se possam constituir em possíveis entraves ao aprendizado formal. Para realizar essa avaliação, escolhi um número de atividades baseadas em expectativas do desenvolvimento para a idade em questão, transpondo essas atividades para uma situação lúdica. Para realizá-la, serão necessários os seguintes materiais:
_ Massa de modelar;
_ Folhas de sulfite;
_ Lápis de cor;
_ Guache;
_ Pincéis;
_ Tesoura sem pontas;
_ Casinha de fantoches;
_ Livros ilustrados;
_ Corda para pular;
_ Bolas de diferentes tamanhos e pesos (de futebol; de Basquete e também aro para arremessos);
_ Bambolês.

Ficha de Observação

Data: ____/____/____

Nome: ___________________________________________________

ATIVIDADES PLANEJADASPARA OBSERVAÇÃO EM PEQUENO GRUPO
Lançar e receber bola; empinar pipa; saltar barbante; observar a coleção papéis de cartas e falar sobre o que está acontecendo nos diferentes contextos; sentar em grupo para ouvir uma poesia (Colar de Carolina, de Cecília Meireles) e em seguida inserir contas em linha para fazer um colar (pode ser substituído por barbante e macarrão); observar diferentes objetos para nomear aqueles que conseguir.

Aspectos Observados:

LINGUAGEM

Compreensão:
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Expressão:
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Articulação dos Sons
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AFETIVIDADE

Aspectos Emocionais Demonstrados na Convivência com os Demais
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MOTRICIDADE

Características da Motricidade Ampla
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Características da Motricidade Fina
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MEMÓRIA
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EQUILÍBRIO
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COMPREENSÃO DE NOÇÕES DE TEMPO, ESPAÇO, ORDEM, TAMANHO E POSIÇÃO
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CUIDADOS PESSOAIS
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COMPREENSÃO DE REGRAS
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OBSERVAÇÕES

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Marcos do Desenvolvimento de 0 aos 2 Anos de Idade

Uma das atribuições do trabalho psicopedagógico consiste em desenvolver estratégias visando à prevenção de dificuldades acentuadas no desenvolvimento, tanto quanto possível. Ao acompanhar os estágios do desenvolvimento, torna-se possível desenvolver ações que identifiquem os aspectos em atraso e possibilitem ações para a correção dessas dificuldades. Isso é importante, pois evita a percepção tardia dos aspectos em que a intervenção se faz necessária e favorece a implementação de ações antes que o atraso se torne muito distante do que se espera em cada idade. A criança demonstra ter adquirido os marcos do desenvolvimento dos períodos anteriores? Caso não os tenha adquirido, será necessário estimular a criança para que sejam desenvolvidos. A seguir, apresento os principais marcos para o desenvolvimento durante o primeiro e segundo ano de vida:

De 0 a 3 Meses
a)    Consegue se acalmar ao chorar, com intervenção da mãe, que o alimenta, nina e acaricia?
b)    Interessa-se pelo rosto humano?
c)    Sorri às vezes?
d)    Interessa-se por objeto em movimento?
e)    Interessa-se por sons?
f)     Presta atenção especial à voz de sua mãe?
g)    Emite ruídos guturais?
h)   Diferencia as diferentes entonações utilizadas na fala adulta?
i)     Brinca com os sons que consegue emitir?
j)      Reage a estímulos auditivos, tais como sinos, buzinas, campainhas?
k)    Dorme entre 16 e 20 horas por dia?
l)     Quando segurado em pé, realiza movimento de marcha?
m)  Assusta-se e estende o braço quando cai para trás?
n)   Consegue acompanhar com o olhar os objetos em movimento?
o)    Ergue e mantém a cabeça erguida por alguns instantes?

De 3 a 6 meses
a)    Sorri quando estás na presença de um rosto adulto?
b)    Consegue apalpar, chupar e morder?
c)    Explora o próprio corpo?
d)    Demonstra ser capaz de reconhecer sua mãe de modo especial?
e)    Demonstra curiosidade e interessa-se pelas coisas?
f)     Demonstra evolução no repertório de vocalizações?
g)    Escuta atentamente ao ouvir alguém falar?
h)   Deixa de se movimentar ao ouvir alguém falar?
i)     Balbucia sons?
j)      Quando brincam de esconder da criança, ela sorri?
k)    Reconhece o rosto da mãe?
l)     Inicia a perceber cores vivas?
m)  Movimenta a cabeça em direção ao som?
n)   Deixa de chorar quando ouve a voz materna ou familiar?
o)    Dorme em média 5 horas durante o dia e 12 horas à noite?
p)    Demonstra ter evoluído na capacidade de sustentar a cabeça?
q)    Tenta alcançar objetos com as mãos?
r)     Vira-se no berço, sem ajuda?
s)    Estende os braços em resposta a ação do adulto para alcançá-la?

De 6 a 9 Meses
a)    Demonstra apego especial pela sua mãe?
b)    Identifica o rosto de outras pessoas da família?
c)    Demonstra angústia e receio na presença de estranhos (esperado para a idade)?
d)    Consegue expressar, por meio do rosto, várias emoções?
e)    Repete os sons que pronuncia ou que ouve outros pronunciar?
f)     Emite algumas sílabas?
g)    Gosta de brincar de esconde-esconde?
h)   Distingue algumas expressões ao olhar no rosto materno?
i)     Dorme 4 horas durante o dia e 12 à noite?
j)      Alcança objetos com a mão?
k)    Coordena os movimentos das mãos, pés e boca?
l)     Consegue, às vezes, sentar-se sem ajuda?
m)  Consegue arrastar-se e engatinhar?

De 9 a 12 Meses

a)    Consegue brincar de esconde-esconde com sua mãe?
b)    Demonstra preferência por alguns brinquedos em relação a outros?
c)    Explora o ambiente onde se encontra?
d)    Anda e engatinha, distanciando e se reaproximando de sua mãe?
e)    Expressa emoções por gritos e gestos variados?
f)     Atende pelo seu nome quando lhe chamam?
g)    Compreende o significado de “não”?
h)   Imita sons emitidos por adultos?
i)     Pronuncia “mamãe”, “papai”?
j)      Dorme em média 3 horas durante o dia e 11 horas à noite?
k)    Demonstra ter aperfeiçoado as habilidades manuais em relação ao estágio anterior?
l)     Usa os dedos polegar e indicador em forma de pinça?
m)  Consegue ficar sentado mantendo as costas retas?
n)   Tenta ficar de pé e quando consegue mantém-se erguido?
o)    Sua evolução possibilita que dê os primeiros passos? 

Pode-se estabelecer como parâmetros as habilidades/períodos de aquisição apresentados no Guia Portage  (Tisi, 2010).

   Entre 12 meses até 18 meses?
a)    Demonstra capacidade de locomover-se sem apoio?
b)    Demonstra intencionalidade, movendo, jogando coisas ou objetos?
c)    Compreende ordens simples, como “não”, “dá”, “põe”, etc?
d)    Reconhece, pelo uso de palavras simples, as coisas a que elas se referem, como roupas, partes do corpo, alimentos, brinquedos?
e)    É capaz de emitir os nomes de pessoas de seu convívio diário, como “mamãe”, “papai”, etc?
f)     Consegue usar copo para beber?
g)    Segura a colher e outros objetos pequenos com preensão palmar?
h)   Relaciona-se com outras crianças?
i)     Consegue calçar meias, sapatos, pente e escova de dentes?
j)      Consegue apertar objetos, dobrando os dedos?

Entre 18 e 24 Meses
a)    Consegue subir escadas?
b)    Consegue associar coordenação ampla e equilíbrio dinâmico, saltando sobre pequenos obstáculos?
c)    Estabelece interação com outras crianças?
d)    Consegue alimentar-se sem ajuda?
e)    Consegue vestir-se?
f)     Reconhece algumas formas?
g)    Rabisca espontaneamente?
h)   Tem iniciativa para escovar os dentes?

Aquisições Esperadas para o 2º Ano de Vida
a)    Consegue fazer uso de uma xícara, segurando-a pela asa ao  beber?
b)    É capaz de subir escadas (sem alternar os pés) e descer (alternando os pés)?
c)    Consegue andar nas pontas dos pés?
d)    Consegue andar para traz?
e)    Consegue ficar por breve momento sobre um só pé?
f)     Demonstra evolução em relação ao equilíbrio dinâmico e motricidade ampla, melhorando a capacidade de saltar sobre objetos?
g)    Começa a imitar o traçado na vertical?
h)   Demonstra evolução quanto à autonomia para o uso de objetos do dia a dia, tais como pente, escova de dentes, garfo?
i)     Tenta imitar gestos realizados pelos adultos?
j)      Consegue enfiar contas em um barbante?
k)    Consegue encaixar cubos de diferentes tamanhos? 

Observações

Motricidade: De 2 meses aos 3 anos (“etapa do corpo vivido”). A criança locomove-se com agilidade e simetricamente, porém os seus movimentos são desarmônicos. Tem necessidade de movimentar-se e explorar o meio (Tisi, 2010).
Grafismos: fase do realismo fortuito surge por volta dos 2 anos de idade. Os grafismos ocorrem sem intenção da criança de representar algo, porém ao os fazerem, descobrem que os mesmos se parecem com algo que já conhecem, os quais nomeiam depois de realizados os grafismos (Merédieu, 2006).


Bibliografia

MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.
MORA, Estela. Psicopedagogia infanto-adolescente V. 1. Editora Cultural S/A. S/d.
TISI, Laura. Estimulação precoce para bebês. Rio de Janeiro: Sprint, 2010. 2 ed.