sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A Atuação Psicopedagógica e a Humanização das Relações na Instituição Escolar


Ao pensar sobre a temática da humanização dentro das instituições escolares, vem à memória muitos casos atendidos durante o percurso realizado até aqui. Entre esses casos, é possível mencionar o de um aluno do 9º ano do ensino fundamental, encaminhado porque ultimamente vinha apresentando baixo desempenho escolar. Durante um atendimento, Pedro (nome fictício) menciona que agora se tornava difícil ter motivação para realizar as tarefas para casa, porque esse momento, anteriormente, tinha um significado especial, pois era o genitor que o ajudava a realizar as tarefas para casa. Depois da morte deste, fazê-las sempre o levava a recordar-se dessa falta. Infelizmente, para Pedro, estudar passou a ser algo que se relacionava com a ideia de “perda”. Na queixa do educando, ficava evidente uma ruptura afetiva existente na relação de ensino e aprendizagem desde então. Penso que a “falta” trazia reflexos para a transferência existente na relação entre ensinante e aprendente, pois o ato de aprender estava, anteriormente, relacionado a uma situação em que o afeto estava presente. Pareceu-me muito interessante a ideia de que ensinar seja um ato que necessite ser autorizado por aquele que aprende. Neste caso, o fora em relação a alguém com especial vinculação afetiva para o educando. Portanto, quanto mais os professores fossem capazes de assumir atribuições de apoiadores, incentivadores, melhores condições teriam de resgatar o desejo de aprender, que Pedro demonstrava nos anos anteriores. As necessidades de Pedro foram discutidas com seus educadores. Atualmente, seu aproveitamento nos estudos voltou a ser positivo.  
Lembrar de casos como o anterior me remete a outras situações em que o suporte emocional se faz necessário para estabelecer uma adequada condição de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, é comum que muitos alunos com bom potencial para aprender se queixem de ter “brancos”, ou seja, lapsos de memória, em situações como avaliações. Nesse caso, o trabalho de “desmistificar” a função da avaliação costuma trazer resultados positivos. Para isso, novamente será necessário que o educador possua a presença de qualidades como a empatia, para ser capaz de encorajar seus alunos. Com isso em mente, é possível imaginar que a instituição consiga se humanizar.  
Outra situação me vem à mente. Marcos (nome fictício) frequentava o 6º ano do ensino fundamental. Durante o seu atendimento, propus atividades de leitura e interpretação de textos, para começar a compreender quais as demandas do educando em relação à aprendizagem. Percebi que Marcos, embora realizasse uma leitura fluente, encontrava dificuldades para a compreensão textual. Isso ocorria, em parte devido às condições de seu vocabulário, mas também pela presença de questões atencionais e pouca oferta de oportunidades de aprendizagem adequadas as suas necessidades.
Após ler para o educando a narrativa O Lobo e o Cordeiro, para verificar se havia compreendido a posição dos personagens na história, foi perguntado sobre qual dos dois estava mais acima, em relação ao curso do rio, o que o deixou confuso. Não entendia o significado de expressões como “turvar a água”. De modo semelhante, não soube definir o significado de “pérola”, na fábula O Galo e a Pérola. Perguntei: “qual foi a atitude do galo ao encontrar a pérola?” Ele respondeu: “ficou alegre?”. Outras perguntas, cujas respostas poderiam ser obtidas com facilidade, apenas permanecendo atento às informações explícitas no texto durante a leitura, o fizeram pensar por um bom tempo antes de tentar responder. Após uma terceira leitura, perguntei: “O que o galo poderia ter feito ao encontrar a pérola?” Ele respondeu: “poderia ter vendido para o joalheiro”. Nesta última questão apresentada, pareceu começar a compreender a ideia proposta na fábula, que era a incompreensão, por parte do galo, do valor que a pérola encontrada possuía. Na quarta leitura, ao ser solicitado que ficasse atento à atitude do galo, percebeu que “o galo não ficou alegre”.
Apesar das dificuldades demonstradas, Marcos poderá ampliar seus conhecimentos, com um planejamento do ensino adequado ao seu conhecimento atual. A ausência de atendimento dessas necessidades poderia estar ocasionando outras consequências para o seu desenvolvimento. Por exemplo, essas dificuldades para cumprir a tarefa solicitada com competência estavam produzindo dificuldade para que acreditasse em seu potencial, possibilitando o surgimento de obstáculo epistemofílico. Assim, o atendimento de suas necessidades exigiria algumas mudanças nas condições de ensino e aprendizagem. 

Adequações Propostas

Quanto às ações estritamente escolares, pareceu ser vantajoso realizar algumas adequações pedagógicas para ajudar o educando em seus progressos nos estudos. Algumas sugestões feitas foram:
1)    Ao trabalhar um texto, verificar o que o educando já conhece sobre o assunto e os pontos que necessitem ser melhor esclarecidos.
2)     Tarefas extensas poderiam ser divididas, evitando excesso de informações.
3)    Oferta de mais tempo ao educando, para que possa pensar sobre o texto lido antes de passar para a atividade escrita.
4)    Oportunizar uma segunda, ou terceira leitura, caso seja necessária, para que possa assimilar melhor as informações e passar para as demais atividades com maior segurança.
5)    A consulta de um dicionário de língua portuguesa pode contribuir para a melhora da compreensão, pela ampliação vocabular, favorecendo a melhora das condições apresentadas pelo aluno neste momento.
6)    A mediação no processo de aprender e a oferta de encorajamento é essencial aos seus progressos.

Após acompanhar esse caso e discuti-lo com a coordenadora pedagógica e os professores, perguntei à coordenadora se havia ocorrido alguma dificuldade por parte da equipe para promover as adequações necessárias para auxiliar o educando, a fim de verificar se era necessário contribuir com mais algum tipo de ajuda. O que ela respondeu foi: “Depois que os professores entendem a natureza da dificuldade do aluno, se mostram abertos para realizar as adequações necessárias para ajudá-lo”.

Considerações Finais

Pensar sobre o tema da humanização geralmente nos remete a considerações a respeito da necessidade de aumentar a ocorrência de recursos como a afetividade e a empatia nas relações interpessoais. Porém, ao pensarmos sobre as implicações desse assunto dentro das instituições educacionais, podemos perceber que a humanização vai além de uma mudança unicamente relacionada às características afetivas presentes nas relações humanas. Assim, muitas vezes, situações podem surgir, exigindo a mudança do olhar dos profissionais em relação à especificidade das condições apresentadas pelo educando, fazendo necessária a presença de ações diferenciadas para resgatar o desejo de aprender.  Portanto, humanização envolveria tanto a presença dos aspectos afetivos quanto técnicos.
No trabalho de promoção de um ambiente institucional humanizado, a meu ver, o profissional de Psicopedagogia ocuparia a posição de mediador, posicionando-se entre o educando e o educador, entre o educador e o coordenador pedagógico, entre os responsáveis e o educando, etc. Ao cumprir esses papeis, favoreceria a promoção de uma atitude equilibrada, dentro da instituição, dos recursos humanos, tanto afetivos quanto técnicos, para contribuir com a superação dos entraves surgidos nas relações de ensino e aprendizagem.
Assim, o trabalho de mediação oferecido pelo profissional de Psicopedagogia, atuando em parceria com professores, coordenadores, famílias e profissionais da rede de apoio torna possível aos educadores visualizar novas possibilidades pedagógicas. Essa mediação favorece a existência da humanização no ambiente institucional, pelo fato de que, ao se construir numa relação dialógica com os diversos envolvidos nesse trabalho, aponta para caminhos e possibilidades do fazer educacional, em que se torna possível favorecer o crescimento integral dos educandos.