sábado, 29 de outubro de 2016

A Abordagem Psicopedagógica das Emoções e a Expressividade dos Alunos do Ensino Fundamental


A prática da Psicopedagogia está marcada pela interdisciplinaridade. Em nossa experiência, digo, do grupo ao qual pertenço, concordaríamos em dizer que os nossos anos de prática inicial na atuação psicopedagógica foram marcados por constantes interlocuções, encontros e formações, contando com a presença de uma rede de apoio extensa e atuante, com profissionais da área educacional, social e da saúde interagindo, o que, acredito, muito contribuiu para a formação de nossas identidades.
Na questão legal, no Brasil, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13-7-1990) como um importante marco dos direitos referentes a esses públicos. Pertence ao referido estatuto os seguintes artigos:

 “Art. 7. A criança e o adolescente tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” [Os grifos são nossos].   

Assim, a criança tem assegurada por lei o direito a se desenvolver em condições adequadas, sendo a sociedade em geral, no caso, “todos”, responsáveis por resguardar tais garantias. Outra questão que merece ser mencionada é a presença do verbo “prevenir”, o que nos traz a ideia de que a oferta dessas “condições adequadas” envolve um posicionamento ativo por parte daqueles sobre os quais recai a responsabilidade (Não custa lembrar mais uma vez, “todos”).
Com as palavras “dever”, “todos” e “prevenção” em mente, poderíamos questionar sobre as oportunidades que os profissionais de Psicopedagogia tem de articular ações com os diversos atores com os quais essa disciplina estabelece diálogo na realização do trabalho em rede. Atualmente, nossa prática envolve atuar na prevenção e na intervenção, olhando tanto o indivíduo quanto o coletivo escolar. Essa demanda às vezes nos leva a elaborar instrumentos de intervenção.
Mesmo hoje, após ter transcorrido quase dez anos de prática psicopedagógica e com a chegada de novos profissionais ao grupo, a sensação é a de que a Psicopedagogia sempre terá algo a nos desafiar em nossa prática, gerando a expectativa de pertencimento a um campo de atuação muito criativo e enriquecedor. Neste momento, olhando em retrospectiva, percebemos o quanto o nosso campo de ação se expandiu. Em parte isso decorre da própria necessidade apresentada pelas comunidades onde a Psicopedagogia é praticada, visando contribuir para a garantia de direitos dos públicos atendidos.

Trabalhar As Emoções na Perspectiva da Psicopedagogia Institucional

Ao mencionar as contribuições que uma abordagem educacional das emoções pode proporcionar ao desenvolvimento das crianças em idade escolar, Nogueira destaca os seguintes aspectos:

Primeiramente na educação integral do aluno, que passa a ter ferramentas e subsídios para melhor entender o mundo circundante. Em segundo lugar, quando estamos equilibrados emocionalmente estamos mais aptos a encarar outros desafios, inclusive a prestar atenção na aula e entender novos conteúdos acadêmicos (2009, p. 88).

De acordo com Oliveira, a educação emocional deve começar a ser oferecida o mais cedo possível, usando a expressão “alfabetização emocional” para definir o trabalho dos educadores voltado para essa importante dimensão do desenvolvimento humano. Nesse sentido, a referida autora afirma ainda:
“Quanto mais cedo iniciar-se a alfabetização emocional, o homem terá maiores oportunidades de leitura clara e objetiva das próprias emoções, habilitando-se, também, a ler e entender os outros” (2004, p. 55).

E mais adiante acrescenta:

“é o processo que permite conhecer e harmonizar os diversos tipos de inteligências e a energia que cada indivíduo dispõe para a autopreservação e a preservação do ser humano, feliz, em harmonia com Universo” (op. cit. p. 53).

Esses estudos, bem como a constatação dos próprios educadores, em sua prática diária, a respeito do grande número de crianças que convivem em lares caracterizados pela existência de constantes conflitos entre seus integrantes, casos de enfermidade familiar, a dificuldade das próprias crianças em administrar conflitos interpessoais com seus pares ou mesmo em lidar com frustrações decorrentes do aprendizado, nos levam a pensar que o momento atual demanda a oferta de um ambiente escolar cada vez mais preparado para desenvolver ações que contribuam para desenvolver a “inteligência emocional” dos escolares.  

Além da promoção da qualidade de vida dos alunos, favorecida por um trabalho focado na inteligência emocional na perspectiva da prevenção, podemos pensar em outras contribuições que essa atuação promoveria, como o levantamento de demandas existentes na instituição, referentes a encaminhamento para outros serviços da rede de apoio e estruturação de projetos que poderão ser implementados na própria instituição.

Exemplo da Elaboração de uma Atividade

A expressão em suas formas oral, escrita, pictórica, podem constituir meios de dinamizar a aula, permitindo o desenvolvimento de reflexões que possibilitem o desenvolvimento emocional? Como já mencionei antes, em outra postagem, a contação da história “O Pescador e O Gênio” foi feita durante o trabalho desenvolvido com algumas turmas do 6º ao 9° ano do ensino fundamental. Ao analisar essa história, Bettelheim (1980, p. 39) apresenta o conceito de “sentimentos engarrafados” para se referir à crescente indignação que o gênio experimentava a medida que o tempo passava, sem que fosse capaz de conquistar sua liberdade. Para quem não conhece a história, o gênio havia sido aprisionado dentro de um vaso de cobre, por ordem do rei Salomão. Nessa situação, o gênio ia ficando cada vez mais focado em sua própria frustração, o que o levou a prometer para si próprio que mataria quem o libertasse. Na narrativa, o pescador que o liberta consegue escapar do cruel Ifrite (como são chamados os gênios malévolos) apenas pelo fato de usar sua inteligência, induzindo o gênio a entrar novamente no vaso por sua própria vontade, lacrando-o em seguida onde estava anteriormente.
Quando a psicanálise interpreta contos como esse, o intérprete faz uso de conceitos psicanalíticos tais como projeção, condensação e deslocamento. Há inúmeros autores que já submeteram histórias à análise psicanalítica. Embora tenhamos contado a história aos alunos e oferecido a interpretação de Bettelheim sobre as motivações do gênio, essa abordagem teve o propósito apenas de favorecer a atividade que proporíamos em seguida. Nesse caso, solicitamos a produção de um desenho, texto, ou outra forma de expressão, de acordo com a criatividade dos alunos, cujo tema foi: “Meus sentimentos engarrafados”. Antes, no entanto, foi combinado que nenhuma atividade produzida seria compartilhada com os colegas, a menos que o próprio aluno o desejasse. O único a conhecer os autores dos trabalhos seria o aplicador da dinâmica. Até mesmo foi proposto aos alunos que, a quem preferisse, não seria necessário se identificar.
A seguir, apresento algumas dessas produções, das quais se pode dizer que são, na maioria, não-projetivas, já que o conteúdo elaborado exigiu uma reflexão, portanto, uma ação consciente do autor da atividade sobre o conteúdo produzido. Os usos do desenho, da expressão oral ou escrita são importantes instrumentos psicopedagógicos, capazes de favorecer a inserção da temática da educação emocional numa perspectiva escolar.
















CONSULTA

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.     
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: (Lei 8069, de 13-7-1990). São Paulo: Saraiva, 2005.
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Educação emocional – perspectivas para uma prática pedagógica – Pinhais: Editora Melo, 2009.
OLIVEIRA, Ivone Boechat. Competência emocional. Rio de Janeiro: REPROARTE, 2004.