domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Hipótese Diagnóstica em Psicopedagogia





“A avaliação das possíveis necessidades educativas dos alunos revela-se como um dos componentes mais críticos da intervenção psicopedagógica não apenas porque os profissionais da área psicopedagógica (psicólogos, pedagogos e psicopedagogos) dedicam a tal tarefa boa parte do seu tempo, mas porque nela se fundamentam as decisões voltadas à prevenção e, se for o caso, à solução das possíveis dificuldades dos alunos e, em última análise, à promoção das melhores condições para o seu desenvolvimento” (Climent Giné). 

Constantemente o profissional de Psicopedagogia recebe queixas relacionadas a dificuldades de aprendizado, motivadas por diferentes fatores que interagem entre si. Constantemente, mas não exclusivamente, pois a diversidade envolve uma demanda que não se resume às dificuldades de aprendizado. Como exemplo, pode ser mencionado o crescente interesse pelo tema “dotação e talento”. Neste caso, dificuldades poderão ocorrer, caso a proposta pedagógica não esteja adequada à necessidade individual, oferecendo pouco espaço para contestação, autonomia e criatividade. Outros casos relacionados à diversidade envolvem o tema da acessibilidade, que em si mesma não promove dificuldade de aprendizado, desde que se busque estar atento aos aspectos pedagógicos que favorecerão a inclusão e efetiva participação do indivíduo no grupo.

Em decorrência da complexidade que tal tarefa apresenta, faz-se necessário o trabalho articulado entre os diversos atores que se prestarão a avaliar as condições existentes e a adequação necessária ao atendimento educacional ofertado. Por isso, nas escolas, trabalhamos em parceria com outros profissionais, tais como os educadores das salas comuns e os de Apoio Educacional Especializado (AEE).

Ao abordar a questão da avaliação psicopedagógica, vou me ater às ações que procuro realizar diretamente, após receber a queixa escolar. Há casos específicos em que uma avaliação conta com o apoio de muitos outros profissionais. No caso da avaliação que realizo, a mesma segue uma diretriz que opta pela globalidade da situação, da qual podem participar uma ou mais das dimensões avaliadas (individual, escolar, familiar, cultural, social), relacionadas a causas transitórias ou permanentes. Global porque os diferentes contextos de que o sujeito participa são envolvidos na busca de elaboração de uma hipótese psicopedagógica.

Nesse sentido, um olhar atento para o sujeito que aprende, no momento da avaliação, não significa que haja prioridade deste enfoque em relação aos demais. Durante o processo avaliativo, todos os aspectos propostos tem seu espaço. Nos diferentes momentos, é possível enfatizar ora este ora aquele. No final desse processo, será possível juntar as partes para a construção de uma visão mais abrangente das necessidades do sujeito.  

Podemos ouvir, por exemplo, durante a anamnese, que “ele estava tão bem quando fulana era a professora”, levantando uma hipótese de trabalho que envolveria aspectos relacionados à qualidade do ensino ofertado. Outras vezes, são questões relacionadas ao próprio currículo que surgem como norte das ações a serem introduzidas: “Que critérios metodológicos se devem contemplar para atender à diversidade?” “Como avaliar o processo de ensino e de aprendizagem?” (Coll, Marchesi, Palacios (orgs) p. 292).

 Ainda durante a anamnese, podemos descobrir outros fatores que poderão estar relacionados à queixa. Aliás, o momento da anamnese não se limita à busca de informações exclusivamente referentes ao sujeito que motivou a queixa. Há espaço para as questões relacionadas à subjetividade, deslocando o centro do interesse para a própria pessoa entrevistada: “Como cada um (pai e mãe) percebeu e recebeu essa gravidez?”; “O que sentiu com os primeiros movimentos do bebê? E o pai, como reagiu?” (Chamat 2008, p. 83).

A dificuldade apresentada na queixa pode estar relacionada a outros fatores. A criança poderá estar passando por um período de adaptação na nova escola. Pode estar se sentindo insegura quanto ao modo como será recebida pela nova turma. Pode estar encontrando dificuldades quanto aos novos assuntos, que poderão ser mais complexos do que os que estava estudando anteriormente, bem como em relação à metodologia adotada pela escola para onde foi transferida.

O envolvimento de todas as dimensões implica um espaço para o próprio sujeito que aprende. Aprofundando a queixa psicopedagógica, após uma sessão de atendimento dedicado ao aluno, poderá haver uma suspeita adicional, como o fato de que a dificuldade surgida poderia estar relacionada ao nascimento recente de outra criança na família. Nesse último caso, a orientação familiar já foi um dos procedimentos que demonstraram bons resultados. Num deles, foi o próprio pai que compareceu para pedir ajuda, após perceber desinteresse da criança pelas questões escolares. Depois de receber orientação do psicopedagogo, retornou à escola e agradeceu, afirmando que:

“Eu não imaginava que ela estivesse se sentindo assim. Mas agora posso perceber que, além disso, tem também outras coisas, como o curso da faculdade e o trabalho. Vou precisar me organizar melhor para dar um tempo de qualidade para a família”.

Momentos de atendimento individualizado, para aprofundamento da queixa inicial constituem uma das ações psicopedagógicas que, a meu ver, são indispensáveis para a tomada de decisão e realização de ações posteriores, a fim de auxiliar a clientela escolar. Por isso, procuro trabalhar com dinâmicas específicas durante o atendimento de educandos que apresentam dificuldade no aprender. Ao ler um livro de Winnicott, conheci um jogo chamado “Jogo dos Rabiscos”. Pensei em uma adaptação deste para o seu uso com finalidades psicopedagógicas. O Jogo dos Rabiscos Psicopedagógico tem objetivos distintos daquele pretendido pelo autor citado, que foi um grande psicanalista de seu tempo. A diferença no caso presente está no fato de que o jogo é usado para observar questões relacionadas ao aprendizado. Mais adiante, darei um exemplo de como o utilizo em meus atendimentos.

 

A Queixa Elaborada Pelos Educadores

 

Quando o (a) educador (a) realiza alguma observação a respeito do aprendizado e das necessidades relacionadas ao educando, peço que relate as mesmas por escrito, observando se houve um período de trabalho suficiente para o conhecimento das potencialidades e necessidades da turma. Por exemplo, recebo uma queixa que envolve a afirmação de que o educando “ainda não atingiu nenhuma hipótese da escrita”, depois de transcorrido tempo significativo de trabalho e oportunidades de aprendizado e que se encontra atrasado nesse sentido em relação à maioria dos colegas.

 

A Autorização dos Pais para a Realização do Atendimento

 

Além de solicitar autorização dos responsáveis para a realização do atendimento, é importante estabelecer, com os professores, o melhor momento para observar o aluno em atendimento psicopedagógico. Após esses procedimentos, o atendimento individualizado pode ocorrer, em seguida.

 

O Momento da Observação Psicopedagógica do Educando: Alguns Jogos

  

A realização de uma avaliação convencional, logo na primeira sessão, como já insisti em outro momento, não é uma boa opção, pois pode gerar ansiedade, porque o educando perceberá que está em um contexto avaliativo.

A diferença com o Jogo dos Rabiscos Psicopedagógico é que a escrita será observada em um contexto lúdico. Esse jogo pode ser realizado entre o psicopedagogo e o educando que está sendo observado, ou entre dois ou mais educandos, quando o psicopedagogo prefere observar e não joga. Essa dinâmica pode ser assim exemplificada. Faço o primeiro rabisco, deixando em aberto a possibilidade de que o aluno possa completá-lo e desenhar o que lhe vier à mente. Caso complete o círculo inicial com outras coisas, transformando-o em uma cabeça, acrescentando a seguir os olhos e demais partes do rosto, dizendo que se trata de “um menino”, peço que escreva embaixo do desenho, do modo como puder ou souber, “menino”. O Jogo prossegue assim, até um momento em que apresento um novo desafio. Transformar o conjunto de desenhos feitos em uma narrativa verbal, como preferir. Geralmente os alunos mais imaginativos se sobressaem nesse momento. Percebi, inclusive, que há alunos com bom raciocínio lógico que encontram dificuldades nesse momento. O encaminhamento para outros profissionais poderá ser feito quando necessário, após isso. Praticando essa técnica, em vez de uma sondagem direta da escrita, já pude evidenciar sua vantagem. Um aluno avaliado dentro das condições normais apresentou determinada hipótese, a qual divergia de outra obtida em momento lúdico. Foi possível comparar os resultados e verificar que o aluno se encontrava um pouco além do que fora constatado na sondagem de escrita convencional.

Além desses jogos, uso outros, com objetivos específicos, como o Jogo do Tapa, que é encontrado pronto ou que pode ser confeccionado. Frequentemente os participantes se divertem muito nessa brincadeira. Uso este jogo quando a queixa envolve aspectos como “dificuldade para reter o que aprendeu”. Observo se a queixa condiz com o que é observado, antes de decidir se devo encaminhar para outros especialistas.

Por fim, posso mencionar um último jogo que eu também elaborei. Trata-se de uma dinâmica contendo 12 legendas, que terminam com reticências e que o educando deve completar. Chamo essa dinâmica de “Um Menino Chamado Peter”. A primeira dessas frases é: “Peter é um menino assim”... (Peço que desenhe na folha o modo como o imagina). Em textos posteriores posso especificar melhor os objetivos e as conclusões que percebi até o momento aplicando essa dinâmica.

 

Conclusões

 

            Investigar os aspectos que dificultam o aprendizado não é tarefa simples. Pode envolver muitas ações e parcerias. Acredito que a capacitação necessária decorre de vários fatores, como disposição para os estudos e reflexão sobre a prática. Essa demanda poderá promover a consciência de que estamos sempre em formação, o que é um aspecto positivo, pois gera uma sensação de que “não se está terminado”, mas em processo de construção, desconstrução e reconstrução, continuamente. Caso essa jornada pudesse ser encarada como um problema ou como uma aventura, eu optaria pela segunda possibilidade, pois podemos crescer diante dos desafios que a prática nos proporciona, além de atuar em uma área de grande relevância para o indivíduo e para a sociedade.

 

 Bibliografia Citada

 

CHAMAT, L.S.J. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem interacionista. São Paulo. Editora Vetor, 2008.

COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesus (Orgs). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais (v. 3). Porto Alegre: Artmed, 2004.