Pretendo
apresentar, nos parágrafos seguintes, algumas ideias propostas por Zunino
(2005), para, em seguida, avaliar as suas contribuições ao trabalho
psicopedagógico em instituições escolares.
Ao longo de sua
discussão, a autora propõe algumas questões para a compreensão do modo como o
processo de ensino-aprendizagem era compreendido por educadores, alunos e pais
pertencentes à comunidade onde desenvolveu sua pesquisa. Algumas dessas questões são: “a forma de ensinar oferece às crianças
oportunidades reais de assimilar o conhecimento matemático?” Além disso, o
papel da escola é ensinar a memorizar ou a pensar, repetir ou
descobrir? Enquanto ser pensante, que papel a criança pode desempenhar nessa
concepção?
Ao analisar os
depoimentos dos educadores entrevistados, a autora concluiu que o exercício e a
repetição eram os aspectos subjacentes ao modo como a escola compreendia o
ensino de Matemática. Em seguida, afirma a necessidade de uma forma
de ensino que promova a “ação intelectual”, em vez da “reprodução de
mecanismos”, pois acreditar que o aprendizado de Matemática deve ser realizado
por meio de repetição como forma privilegiada de ensino, impede que as
dificuldades identificadas no aprendizado sejam superadas. A consequência de um
ensino mecanizado é que as crianças seguem sem serem capazes de chegar ao
“conhecimento matemático” e também sem serem capazes de “fazer matemática”.
Mesmo os erros
ocorridos durante uma situação de ensino-aprendizagem devem ser repensados. A
lógica subjacente ao raciocínio dos educandos deve ser considerada, pois é todo
o processo empregado na resolução de determinada situação pedagógica e não
apenas o resultado final que deve ser considerado. Repensar essa situação
poderia contribuir para desenvolver o prazer em aprender Matemática. Aprender
Matemática é mais do que “fazer contas”.
Afirma ainda que se
a escola aproximasse o ensino de Matemática de situações reais da vida, das
profissões que dela fazem uso, haveria um ensino mais efetivo dessa disciplina.
Os problemas propostos na escola deveriam partir de situações existentes no
cotidiano dos educandos.
Quanto ao processo
de avaliação, o mesmo nem sempre é bem compreendido nas escolas. Deveria servir
como meio para a criação de novas situações, favorecedoras do processo
pedagógico, uma vez que a avaliação não diz respeito apenas aos resultados
alcançados pelos alunos. É um processo que permite ao professor “revisar
permanentemente a aprendizagem”. Assim, os educadores observam os recursos
pedagógicos necessários, que possibilitam abordar a situação de um novo ângulo.
No segundo capítulo, ao abordar aspectos
relacionados a “problemas” e “contas”, cita Vergnaud (1983 e 1984), para quem ´as equações aritméticas que são
matematicamente equivalentes representam na realidade múltiplos significados,
os quais são considerados como diferentes pelas crianças´. Disso decorre a
importância de se considerar o modo como os educandos abordam os problemas que
são apresentados durante o ensino. Desde
a primeira série as crianças já dispõem de estratégias para solucionar
problemas, embora não sejam usados os mesmos trajetos ensinados na escola.
Exemplos: perguntado a uma criança quantas pessoas ficariam num ônibus de 24
(vinte e quatro) passageiros, após uma parada em que desceram 17 (dezessete).
Uma estratégia comentada pela autora, a qual foi usada um dos entrevistados,
foi contar a partir do número 18 (dezoito) utilizando os dedos. A resposta foi
correta, por meio de uma estratégia pessoal. Outra criança fez algo também
original, construindo uma frase com o mesmo número de letras representando o
total de passageiros no início da viagem, eliminando o número de letras
correspondentes e contando as restantes.
Os
contextos da vida real são significativos. Os problemas elaborados por crianças
costumam apresentar objetos como figurinhas, pedras preciosas e até mesmo
pessoas. Um enunciado seria mais bem elaborado ao considerar aspectos presentes
na comunidade (horas de trabalho de um operário ou sacos de cimento utilizados
em uma construção) e assuntos de interesse das crianças (figurinhas,
dinossauros). Um problema deve considerar a possibilidade de desenvolver
estratégias diferentes, bem como a compreensão da equivalência das mesmas pelos
alunos. O que não pode ser generalizado, como encontrará aplicação em situações
da vida real?
Quanto à
representação das operações, houve diferentes abordagens pelas crianças:
representação apenas dos resultados; representação dos dados obtidos no
enunciado; representação de ambos (sem os sinais); representação não
convencional de todos os termos envolvidos na operação e representação convencional.
A forma de
representação convencional deveria, portanto, ser ensinada, mas sem impedir que
as crianças usem suas formas pessoais de representação, possibilitando,
inclusive, que tais diferenças sejam abordadas no contexto as sala de aula.
De tudo isso,
conclui-se que em vez de recorrer a certos esquemas para trabalhar situações
matemáticas, deveria ser valorizada a reflexão dos alunos, para que esses não
acabem por abrir mão da própria capacidade de pensar, confiando em estratégias como a busca de
determinadas “chaves” “linguísticas e numéricas”. As crianças devem ser
incentivadas a procurar compreender os problemas a partir de suas estruturas
lógicas. Resolver contas sem compreender o processo empregado pode conduzir a
respostas corretas, embora mecânicas. Isso impossibilita a transferência para
situações futuras.
As conclusões
apresentadas pela autora estão centradas em um dos âmbitos do processo de
ensino-aprendizagem, correspondente ao ensino.
Algumas dessas conclusões podem ser constatadas no trabalho diário
realizado pelo psicopedagogo em instituições. Quando o aprendizado não ocorre,
a observação do profissional de Psicopedagogia, após recebimento de queixa
elaborada pelo professor, pode mobilizar
diferentes serviços, a partir das conclusões obtidas no atendimento, como
orientação familiar, orientação pedagógica e encaminhamentos para outros
serviços que se façam necessários. É nesse sentido que o trabalho
psicopedagógico, decorrente da possibilidade de realização de observações individualizadas,
pode contribuir em muito para o redimensionamento do ensino, favorecendo a
construção de um modelo de escola adequado à diversidade.
Ao observar um
aluno em processo de avaliação, o psicopedagogo coloca uma questão que pode
surgir durante a realização de um jogo: “Certo,
você ganhou, porque tem mais peças com você do que comigo. Quantas peças a mais
você tem?” Após essa pergunta, que recursos o aluno usará para decidir? Que
estratégias colocará em prática para resolver o “problema”? Recorrerá a
representações gráficas? Contará nos dedos? Comparará os montes? Não é raro que
o profissional de Psicopedagogia participe de mudanças importantes em relação
ao trabalho pedagógico, pois o seu olhar clínico é muitas vezes indispensável
para realizar as intervenções necessárias, captando o estilo de aprendizagem do
educando e realizando orientações a partir disso. Um olhar mais completo para o
sujeito que aprende pode favorecer também no sentido de evitar “diagnósticos”
reducionistas, que responsabilizam o próprio educando pelas dificuldades
existentes quanto à efetivação do aprender. Uma parceria efetiva entre o
psicopedagogo e coordenadores pedagógicos poderá auxiliar a escola na superação
dos obstáculos existentes em relação ao aprendizado.
ZUNINO, Delia Lerner de. A matemática na escola: aqui e
agora. Porto alegre: Artmed, 2005. 2 ed.
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