“Psicopedagogia
constitui uma nova área de conhecimentos sistematizados, cujo florescimento
está na dependência do desenvolvimento não apenas da Psicologia e da Pedagogia,
como também da Psicolinguística e da Neuropsicologia, entre outras” (Lomonico,
2005, p. 93).
Por questões de espaço, a
discussão a seguir estará focada nas ações realizadas pelos profissionais de
Psicopedagogia no âmbito da instituição. Estas ocorrerão sem prejuízo de outros
procedimentos necessários ao atendimento das necessidades educacionais
específicas dos educandos, como a avaliação feita pelos profissionais do AEE,
quando esta se fizer necessária. O trabalho psicopedagógico contempla, entre
outras ações, a avaliação da natureza específica de um bloqueio relacionado à
aprendizagem. Na atuação institucional, esse olhar se faz em dupla direção,
para o sujeito que aprende e para o contexto em que é ensinado. Em nossa
experiência, consideramos que a avaliação psicopedagógica tem por objetivo
prover os recursos necessários para atender as necessidades instaladas em algum
momento do processo de ensino e aprendizagem. Esses recursos envolvem os
aspectos materiais e humanos necessários para corrigir ou minimizar a
dificuldade identificada. Ao final do processo de avaliação, poderão ser
disponibilizados materiais específicos, bem como adequações envolvendo as estratégias
de ensino e alterações nas condições referentes ao âmbito atitudinal da
instituição. A aprendizagem e as dificuldades ocorridas nesse processo constituem
um assunto complexo. Assim, em primeiro lugar se coloca um “para quê”. Quer
dizer, para que a avaliação está sendo solicitada? A resposta ideal ao “para
quê” poderia ser algo do tipo: “para redimensionar o processo de ensino e
promover as adequações necessárias, a fim de que o educando aprenda”. A
avaliação psicopedagógica possui natureza dinâmica. Assim, não seria equivocado
supor que, ao final do processo de avaliação, a intervenção inclua observações
referentes ao modo como algo é ensinado ou à forma como os vínculos são
formados dentro desse contexto. É importante refletir sobre o “para quê” dos
encaminhamentos, uma vez que muitas formas de diagnóstico acabam se tornando,
no final, apenas instrumentos que responsabilizam o educando pelo seu fracasso
em aprender, deixando implícitas as suposições de que todos devem aprender da
mesma forma, no mesmo tempo, com as mesmas estratégias pedagógicas. Tais
suposições se baseiam, naturalmente, em concepções equivocadas do ensinar e do
aprender. Em segundo lugar, se coloca um “como”, pois esse processo é complexo,
em decorrência da heterogeneidade das características presentes em cada sujeito,
mesmo dentro dos casos relacionados a causas relativamente conhecidas
subjacentes à dificuldade, tais como discalculia, dislexia, etc. Como fazer uma
avaliação? Podemos avaliar usando os instrumentos convencionalmente utilizados
na Psicopedagogia. Podemos recorrer à observação da dinâmica da sala de aula.
Podemos avaliar de modo informal, pela observação direta do sujeito inserido em
diversas atividades no contexto escolar (desenhos livres, brincadeiras com os
colegas, interações espontâneas, aula de educação física, informática, etc).
Essa observação ampla, realizada em múltiplos contextos, permite responder mais
uma questão: “O quê”. Pensarmos sobre ela também é importante, para evitar
atitudes reducionistas. O que se pretende avaliar? Serão avaliadas apenas as
questões envolvidas na queixa, ou também serão observados outros aspectos, tais
como as habilidades e conhecimentos que o sujeito apresenta em outras situações
e mesmo obstáculos existentes no âmbito institucional? É importante que se
considerem os aspectos a serem avaliados de modo mais amplo, não apenas o que
está contido na queixa. Temos observado que as áreas do desenvolvimento em que
o avaliado apresenta melhores desempenhos constituem uma fonte de motivação
para ajudá-lo a ressignificar sua presença no espaço escolar.
Estudo
de Caso
Entrevista
Com Responsável
Eu o chamarei pelo nome
fictício Jonas. Foi encaminhado para atendimento psicopedagógico em decorrência
das dificuldades de aprendizado escolar. Os seus responsáveis foram chamados
para a realização de entrevista psicopedagógica. Quando os entrevistados compareceram,
falaram sobre as dificuldades de aprendizado do filho, mas também mencionaram
que na cidade onde residiam anteriormente, havia sido mencionada a existência
de dificuldade de relacionamento do educando com seus colegas no espaço escolar
com frequência. Conforme foi relatado, J. era frequentemente vítima da prática
de bullying no espaço escolar na cidade de onde veio. Sua reação a isso sempre
foi de agressividade. A entrevista com os responsáveis
foi importante para aprofundar as questões observadas no desenho que J. havia
elaborado durante o seu atendimento. Suas produções gráficas foram confrontadas
com outras situações do atendimento, de observações, de entrevistas com os
responsáveis e educadores, confirmando que a agressividade verbal ocorria em
vários contextos frequentados pelo educando. A autoestima também poderia ser um
fator em que necessitava de atenção, pois diante de pessoas estranhas, conforme
relatou o entrevistado, J. costumava levar a mão ao rosto, na tentativa de
ocultar uma marca física que o incomoda, para cuja correção será feita cirurgia
quando alcançar a idade recomendada pelo especialista que acompanha o caso.
Outra questão sobre a qual o entrevistado falou foi a respeito dos desenhos de
J., área pela qual sempre demonstrou especial interesse, destacando-se em suas
produções pelo modo como elas transmitem a emoção de seus personagens. Depois
que conclui seus desenhos, os mesmos são cuidadosamente guardadas em um pasta,
em sua casa.
Sobre
o Atendimento ao Educando
Quando J. chegou à sala de
Psicopedagogia, manteve-se, a princípio, de modo tímido. Aos poucos foi se
soltando e se tornando mais comunicativo. Em determinado momento da avaliação,
foi-lhe dada a consigna do Par Educativo. Não demorou para realizar o que foi
pedido. À media que realizava as atividades solicitadas, J falava de vários
assuntos de seu interesse. Ficou entusiasmado com o elogio recebido por um de
seus desenhos e daí em diante não foi notada nenhuma atitude de retraimento de
sua parte. Outros desenhos foram feitos na mesma folha de sulfite, ocupando os
espaços ainda existentes. Conforme as ideias vinham a sua mente, foi desenhando
situações relacionadas à história dos dinossauros, à astronomia e a outros
assuntos. J. tem um estilo de aprendizado predominantemente visual. Seu
interesse pelo mundo visual pode ser um elemento importante para promover o
desenvolvimento de seus conhecimentos escolares.
O desenho do Par Educativo e
a análise do contexto avaliativo mais amplo possibilitaram perceber que
atualmente existe um vínculo muito sólido entre J. e sua professora.
Alguém poderá constatar o
fato óbvio de que J. necessita de encaminhamento para receber acompanhamento
profissional em relação à agressividade constatada. Isso pode ser verdadeiro,
mas não envolve todas as ações necessárias. Outra ação importante seria
orientar os educadores para levar para a aula os temas relacionados à
convivência. Ainda outra ação seria levantar a questão de quais serão as ações
possíveis para desenvolver seu aprendizado? Além disso, poderíamos questionar
sobre que espaço a sua habilidade artística desempenhará nas ações pedagógicas
destinadas à promoção de seu aprendizado escolar.
Durante a entrevista com seu
responsável, foi possível perceber que J. passa horas pesquisando no computador
a respeito das técnicas do desenho. Essa é uma área em que se percebe o
compromisso dele com o aprender. Não com o aprender algo fora de um contexto ou
que não preencha uma necessidade sentida. Seu compromisso é com aprender algo
em que se sente competente e que possa ter um sentido de troca, de interação. Existe
uma tendência a deixar de desenhar demonstrada por sujeitos que gostam de
fazê-lo entre o final da infância e início da adolescência (Cox, 2007, p. 5). O
desaparecimento do “encanto” por essa atividade talvez não ocorra se a escola
oportunizar ocasiões para que essas produções sejam valorizadas.
INTERVENÇÕES
PSICOPEDAGÓGICAS REALIZADAS
Na
Sala de Aula
Desenvolvimento de
atividades com foco no respeito pelas diferenças individuais e autoestima.
Livro: “Você é Especial”. Autor: Max Luccado.
Sugestão aos educadores:
avaliar o progresso do educando de modo diversificado, que considerem os pontos
fortes de seu desenvolvimento, tais como a oralidade e a expressão gráfica.
Atividades
Diferenciadas
Desenvolvimento de um
projeto sobre quadrinhos. Exploração da tipologia textual. O educando J. ficará
responsável por ilustrar a história desenvolvida pelo grupo. Usar os recursos
de divulgação disponíveis na unidade escolar (mural, recursos tecnológicos,
etc).
Reforço
Encaminhamento de J. para
projeto de alfabetização que utilize metodologia diferenciada.
ENCAMINHAMENTOS
Encaminhamento de J. para
atendimentos necessários na área da saúde.
Conclusões
O caso de J. nos faz pensar
que a ajuda efetiva às crianças com dificuldades de aprender vai muito além de
identificar entraves existentes no âmbito orgânico. A questão precisa ser
aprofundada na dimensão das mudanças possíveis no nível das filosofias de
trabalho da instituição. Um lugar para aprender deve ser um ambiente caracterizado
pelo respeito às diferenças individuais, pelo acolhimento e apoio durante os
momentos de dificuldade demonstrados nesse processo. O acolhimento das
diferenças na instituição é uma atitude favorável para ajudar a romper os
bloqueios do aprender. A capacidade de expressão verbal de J., bem como sua
motivação para desenhar, se constituiu em uma forma de ajudá-lo a enriquecer seus
conhecimentos. Enquanto conversa está sempre fazendo perguntas sobre as áreas
do conhecimento que lhe interessam. Isso evidenciou não existir um obstáculo no
aprender, mas que as experiências frequentes de fracasso podem gerar
resistência ao ensino escolar. Várias mudanças positivas foram observadas a
partir do início do atendimento de J., como a melhora significativa de seu
comportamento em relação aos colegas e aos estudos. Percebe-se que está mais
autoconfiante e não foram apresentadas novas queixas comportamentais. As ações
psicopedagógicas desenvolvidas com J. possibilitaram observar que uma escola
“humanizada”, em que a dimensão dos relacionamentos é considerada com atenção,
pode promover mudanças importantes em relação à ressignificação do espaço
escolar, nos casos em que são identificadas dificuldades no processo de
aprendizagem.
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As imagens foram divulgadas
com autorização e os nomes substituídos por nomes fictícios.
Bibliografia
COX,
Maureen. Desenho
da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LOMONICO,
Circe Ferreira. Coordenador
pedagógico: o técnico e psicopedagogo. São Paulo: Edicon, 2005. 3
ed.
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