O
presente trabalho constitui um resumo do estudo monográfico apresentado por
ocasião da conclusão da formação psicanalítica. No trabalho original, além do
termo de consentimento dos responsáveis, foi obtida a autorização da Secretaria
de Educação do referido município, para a realização da presente pesquisa. Os
nomes dos avaliados foram substituídos pelos termos genéricos “menino” /
”menina”, seguidos das suas respectivas idades e da apresentação resumida do
caso. Entre os instrumentos utilizados durante o atendimento psicopedagógico,
podemos mencionar as provas piagetianas (Weiss, 2008) e o Par Educativo (Chamat,
2008).
O
propósito da pesquisa foi investigar a presença de aspectos afetivos em
educandos que apresentaram dificuldades em relação ao aprendizado escolar,
embora em condições de desenvolvimento cognitivo normais. O interesse pelo tema
se justifica, pois a compreensão do papel que os mecanismos de defesa do ego
desempenham nas dificuldades de aprendizagem possibilita o desenvolvimento de
ações que contribuirão para elevar a qualidade das condições afetivas vivenciadas
pelos educandos, tanto na instituição escolar quanto no espaço familiar.
Optamos
por uma concepção de desenvolvimento humano em que o sujeito é compreendido em
suas diferentes possibilidades, o que deve incluir também sua dimensão afetiva.
Assim, na investigação de um problema de aprendizagem, devem ser observados os
diversos fatores capazes de alterar as condições do desenvolvimento normal,
tais como os aspectos cognitivos, pedagógicos e emocionais, levando em conta
que essas dimensões estão em constante interação, o que influencia o produto que
o sujeito é capaz de apresentar em condições de ensino e aprendizagem. De acordo
com Weiss (2008, p. 24-25):
Aspectos
emocionais estariam ligados ao desenvolvimento afetivo e sua relação com a
construção do conhecimento e a expressão deste através da produção escolar.
Remete aos aspectos inconscientes envolvidos no ato de aprender (op. cit. p.
25).
A hipótese inicial foi que a existência de
mecanismos de defesa do ego, quando presentes nos casos não relacionados ao
desempenho abaixo do esperado para as idades dos educandos, poderia ser um
indicador de que aspectos externos ao organismo poderiam estar colaborando para
a instalação de condições que acabam produzindo a dificuldade de aprender. Por
outro lado, também achamos importante investigar se os mecanismos de defesa do
ego seriam uma resposta apenas à dificuldade de apropriação dos conhecimentos
escolares.
Os
Mecanismos de Defesa do Ego
Historicamente, de acordo com Roudinesco
(1998), o surgimento do conceito de mecanismos de defesa do ego ocorre nos
ensinos de Freud a partir de 1894, com o texto “As neuropsicoses de defesa”, e, de acordo com a mesma autora, a
noção de “defesa” foi concebida por Freud como “o eixo do funcionamento neurótico em relação aos processos de
organização do eu” (idem). O interesse de Freud consistiu em compreender a
maneira como o eu reage diante “das solicitações capazes de perturbá-lo”
(idem). Esses elementos perturbadores podem se originar em fonte externa ou
interna.
Para compreender os mecanismos de defesa do
ego, é importante refletir sobre outro conceito, o qual diz respeito ao prazer.
O prazer ultrapassa a dimensão da necessidade. Por isso, o bebê pode continuar
buscando o seio materno depois de saciada sua fome (Nasio, 1999, p. 47).
Portanto, podemos concluir que o prazer encontra-se vinculado à motivação,
atendendo uma necessidade que ultrapassa o limite do orgânico. Em vista dessas
considerações, é possível concluir que, mesmo um comportamento de evitar se
concentrar na aula quando a disciplina não consegue ser aprendida ou assumir a
atitude indisciplinada diante da mesma situação, pode ser algo que esconde um
sofrimento psíquico do sujeito, bem como o refúgio na fantasia para encontrar,
em relação a um objeto apresentado, uma alternativa em que o prazer não se
encontre suprimido. É nesse sentido que a finalidade da fantasia pode ser
percebida. Ela tem a função de aliviar o apelo de um desejo não atendido, por
meio de um disfarce (Nasio, 2007, p. 11).
Exemplos Observados Durante Atendimento
Psicopedagógico
As
considerações teóricas anteriores, a respeito da fantasia, ou seja, seu caráter
inconsciente e substitutivo de uma situação desprazerosa, trazem à mente o caso
de uma criança de sete anos, que, ao ser incentivada a acrescentar detalhes a
uma situação trazida para o atendimento, ria como que surpresa de ter sido a
autora da situação que acabara de projetar na folha de sulfite diante de si. Em
sua fantasia, inventou uma situação de conflito entre uma diretora de escola e
um professor, cujo desentendimento levou a primeira a fazer um feitiço para que
o segundo quebrasse a perna e não conseguisse ir à escola. Nesse caso, o desejo
não atendido – de aprender, é substituído por outro – de não ir à escola.
No
exemplo dado a seguir, pôde-se perceber que a criança que estava sendo avaliada
não se manteve nos limites da comanda do Par Educativo. Pelo contrário,
desenhou algo que parecia muito mais voltado a outras necessidades imediatas de
sua vida familiar:
Neste
caso, é bem sugestivo o diálogo que a criança desenvolve entre os personagens
desenhados. Conforme ela afirma, o personagem masculino (à esquerda) é o pai da
menina (personagem ao centro) da ilustração. Quando a personagem manifesta o
desejo de entrar na floresta, o primeiro diz:
“_ Eu não gosto disso que você está fazendo”.
Em
seguida, a menina resolve desobedecer e entrar na “caverna” (antes definida
como “floresta”), para ficar “de boca aberta” ao descobrir que o macaco tinha
uma família lá dentro. Quando retorna de sua descoberta, seu pai não estava
mais no mesmo local, havia ido embora e a deixado sozinha. Como foi possível
perceber, após a realização de anamnese com responsável, que os aspectos
projetados pela criança estavam relacionados a acontecimentos bem próximos a
sua própria história familiar. A personagem criada pela aluna tinha o desejo de
conhecimento, porém com a presença de um adulto lhe dando segurança. É na
fantasia que percebemos que o mecanismo de defesa do ego denominado
“compensação” ocorreu neste caso.
Um
educando com dificuldade de aprendizagem recebeu atendimento psicopedagógico.
Nessa ocasião, foi-lhe comunicada a consigna do Par Educativo: “Agora, gostaria
que você desenhasse duas pessoas, uma delas está ensinando, a outra está aprendendo”.
Foi interessante observar que o desenho retratou a escola do lado de fora, como
se o autor do desenho fosse um observador externo, em vez de participante da
instituição. A situação também não apresentava as duas pessoas solicitadas na
consigna. Nesse caso, o significante apresentado estava relacionado a um
significado latente, uma vez que o educando se colocava, a princípio, fora da
cena em que os elementos são interpretados. Portanto, não seria possível compreender
a projeção nesse caso fazendo uso de instrumentos cuja análise depende de
aspectos como a posição do aprendente em relação ao ensinante, uma vez que
ambos estavam ausentes da cena representada. Nesse caso, seria necessário
recorrer a outro referencial, em que fosse possível contrastar os dados
observados em atendimento, a fim de compreender o significado do desenho
produzido. Como mecanismo de defesa, poderíamos entender que o que foi
projetado nesse caso se tratava de ”anulação”.
Aspectos Quantitativos da Pesquisa
Total de Alunos Avaliados: 59
Período
de Realização da Pesquisa: 1° e 2° bimestres de 2015
Idades dos avaliados: indivíduos
entre 6 anos e 11 anos e 10 meses.
Total de Educandos com Dificuldades de
Aprendizado Escolar e Sem Obstáculo Epistêmico: 30
Análise
de Casos e Discussão dos Resultados
Dos
59 casos que compuseram a amostra, foram encontrados 30 que não apresentaram
obstáculo epistêmico. Os números incluídos na tabela correspondem à ordem em
que a avaliação do sujeito foi apresentada na monografia. A descrição dos
mecanismos de defesa do ego pode ser apresentada de acordo com a seguinte
tabela:
Tipo
de Mecanismo
|
Números
relacionados
|
Regressão
|
6, 13, 20, 26, 31, 42, 43, 46, 59
|
Agressão voltada para a própria pessoa
|
49
|
Acting
out
|
3, 38
|
Conclusões
Conforme
os dados obtidos, é possível observar que existe um percentual significativo de
alunos cuja dificuldade de aprender é existente mesmo na ausência de obstáculo
epistêmico que o pudesse justificar. Para ser mais exato, entre os 30 casos em
que se constatou desempenho epistêmico normal, 18 sujeitos que compuseram a
amostra apresentaram alguma espécie de comportamento ansioso, enquanto 12 deles
apresentaram algum tipo de mecanismo de defesa do ego. Isso quer dizer que 60%
dos casos envolvendo dificuldade de aprendizagem envolvem também alguma questão
emocional, um percentual muito expressivo para ser ignorado. Tal resultado
evidencia a importância do olhar atento aos fatores de natureza afetiva, os
quais podem trazer consequências para o aprendizado. O aprofundamento da
interpretação e o conhecimento da teoria psicanalítica poderão, nesse sentido,
contribuir significativamente para a compreensão das dificuldades de
aprendizagem escolar, bem como em relação às estratégias necessárias para
auxiliar educandos e educadores na aquisição de uma melhor compreensão da
presença dos elementos afetivos no processo de ensino e aprendizagem. Acreditamos
que os dados obtidos evidenciam que a oferta de uma educação que faça a
diferença deve ser caracterizada por romper com a prática educacional baseada
em dicotomias artificiais, do tipo cognição/emoção, instruir/educar, que não
correspondem àquilo que a realidade atual apresenta como sendo necessário ao
trabalho educacional. De acordo com uma das definições desta pesquisa, a
neurose pode ser compreendida como o resultado de uma dificuldade do ego em
atender uma demanda derivada da necessidade do indivíduo. Portanto, podemos
pensar que se o fortalecimento do ego constitui um dos propósitos da educação formal,
seríamos levados a diluir a barreira imaginária entre o que pertence ao
psíquico e o que pertence à pedagogia, pois além de elaborar defesas quando
suas demandas não são atendidas, o ego também é a parte que utilizamos ao
perceber ou refletir sobre aspectos da realidade. Nesse sentido, os propósitos
da educação e da saúde convergem.
Bibliografia
BÉDARD, Nicole. Como interpretar os desenhos das crianças. Editora Isis: São Paulo, 2010.
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Nasio, Juan-David. A fantasia: O prazer de ler Lacan. Rio
de Janeiro: Zahar, 2007.
________________. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999.
ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998.
CHAMAT, Leila Sara José. Técnicas de diagnóstico
psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem interacionista. São
Paulo: Vetor, 2008.
VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
___________. Técnicas
Projetivas Psicopedagógicas e Pautas Gráficas para sua Interpretação.
Compiladora: Susana Rozenmacher. 4ª ed. Buenos Aires: Visca & Visca,
2013.
WEISS, Maria Lucia M. Psicopedagogia clínica: uma visão
diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio
de Janeiro: Lamparina, 2008. 13 ed.
Amei as postagem. Parabéns!
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