‘Eu não sei se a psicopedagogia é uma ciência, mas ela era considerada
a rainha das profissões porque, assim como se instrumentou a formação de psicopedagogia
na Argentina, em geral não acontece no mundo inteiro. Acredito que o único país
que tem formação em termos formais seja a Argentina. Não sei (...) não tenho
informações de que em algum outro país alguém obtenha um diploma de
psicopedagogia. Temos formações muito diferentes (Visca, 1991, p.17).
A Jorge Visca
coube a elaboração de uma “base epistemológica” a respeito “da teoria e técnica
psicopedagógicas” (Visca,1991, p. 11). Percebi, durante a leitura deste autor,
o quanto o interesse pela questão do conhecimento fora precoce em sua vida. Relembra
sua infância, de quando seu pai, que era dono de um armazém, dizia algo aos seus
funcionários. Em certas ocasiões, ficava intrigado com o modo como eles
compreendiam o que lhes havia sido falado, resultado da apreensão de um
significado que estava distante da intenção comunicativa original. Então
conclui que a informação e sua recepção encontravam algum fator que deveria
influenciar o modo como o sujeito a compreendia (op. cit. p. 14). “E por que a mensagem era interpretada erroneamente,
se eu achava que era muito clara a informação? Mas era clara para alguns, não
para outros. Não existia uma adaptação, uma adequação de informação para estas
pessoas” (idem).
Outra
experiência que menciona foi decorrente de seu trabalho diretamente com sujeitos
que apresentavam dificuldades de aprendizagem. Cita, a seguir, um caso
observado:
“uma criança que estava na 5ª série e um dia percebei que quase não
escrevia, não lia... ela tinha chegado de outra escola quando o ano já estava
adiantado. Então, fui fazer uma consulta no gabinete psicológico que tínhamos
na escola e a psicóloga me convidou para começar a trabalhar no policlínico
(hospital), na sala do Dr. Goldemberg. Eu aceitei e, ali, compreendi o que
tinha acontecido com esta criança e suas dificuldades de aprendizagem e como
ela progrediu. Ninguém tinha olhado além do produto do sujeito, e o importante era perceber o processo que o sujeito fazia na sua
aprendizagem – ela tinha dificuldades importantes de caráter cognitivo, que
depois eu consegui explicar melhor e saber o que acontecia. (...) Foi como uma
corrente de coisas que, de alguma maneira, foram se organizando e estruturando
para que eu me interessasse pela aprendizagem do sujeito” (pp.14-15).
É esclarecedora
sua explicação a respeito da compreensão do trabalho clínico em Psicopedagogia:
‘Eu comecei com a psicopedagogia clínica, clínica num sentido mal
utilizado da palavra, querendo dizer que é trabalho no consultório; porque
clínica não significa isto de forma nenhuma. Na escola se faz clínica, na
comunidade se faz clínica ... no sentido de perceber o sujeito como ele é.
Diagnosticar este sujeito, trabalhar com este sujeito mesmo que seja um grupo
ou uma comunidade, aceitando este sujeito como ele é. Eu acho que o consultório
é um laboratório de pesquisa, mas
agora acredito que o objetivo do psicopedagogo seja trabalhar com a sociedade
em geral. Pesquisar a forma de aprendizagem que existe na sociedade em geral.
Devemos “extrapolar” este conhecimento que temos para a comunidade. (op.cit.
p.17).
O grifo do
vocábulo “laboratório” é meu. Achei relevante salientar esse caráter do
trabalho clínico em vista da possibilidade que o autor menciona ao dizer que o
trabalho clínico proporciona a descoberta de aspectos que poderão ser
“extrapolados” para um trabalho em proporções maiores, envolvendo o
macrossistema.
Como resultado
da experiência pessoal na atuação como psicopedagogo, poderia oferecer alguns exemplos
de como a atuação psicopedagógica numa perspectiva clínica pode redimensionar o
trabalho realizado em sala de aula. Mas por questão de objetividade, menciono
apenas um. Dias atrás recebi a queixa de que uma criança estaria demonstrando
agressividade em relação aos colegas. Nesses casos, quando a queixa se
confirma, buscamos realizar a entrevista com os responsáveis e em seguida
ofertar o encaminhamento para a área de Psicologia. Como o referido serviço já
estava sendo oferecido ao educando naquele momento, partimos para a observação
das interações da criança no espaço escolar. Para isso, foi preparada uma
situação envolvendo jogos estratégicos e em seguida foi solicitado à professora
que permitisse o desenvolvimento de uma atividade com os alunos. No caso dessa
atividade, a mesma foi planejada para ser desenvolvida em dupla, ou seja, a criança
interagiria com um colega da mesma turma. A presença do psicopedagogo durante a
atividade consistiu em explicar as regras do jogo e em seguida mediar o
desenvolvimento da atividade, garantindo que as mesmas estavam sendo seguidas.
Analisando depois, percebi que nessa atividade ocorreram outras participações
minhas que garantiram a sua continuidade, como, por exemplo, oferecer o
feedback em momentos em que percebia a desatenção de um dos participantes, com
frases como: “Olhe, você já conseguiu
formar dois conjuntos. Agora falta o último”. Bem como outras que visavam à
garantia do seguimento das regras: “Agora
é a vez de seu colega. Você descartou, mas ele ainda não comprou”.
Além dos
fatores que motivaram o encaminhamento feito pela educadora para o profissional
de Psicopedagogia, foi possível observar alguns aspectos fortes do
desenvolvimento do aluno, como a excelente memória demonstrada quando ele quis
adaptar o jogo que tínhamos feito (trinca dos animais) para servir como jogo da
memória.
Também percebi
que questões relacionadas à aceitação de regras, controle da impulsividade e
aprender a lidar com a frustração poderiam ser contempladas dentro de situações
envolvendo contextos lúdicos, desde que planejadas para isso. No período de
observação não houve sequer uma atitude que demonstrasse agressividade por
parte do aluno em relação a mim ou ao seu colega, o que era exatamente o motivo
da queixa escolar. Observado em seguida no próprio espaço da sala de aula, foi
possível perceber que no contexto de brincadeiras espontâneas, com os
brinquedos ali dispostos, ou seja, em um espaço não dirigido, não mediado, as
atitudes incluídas na queixa voltavam a ocorrer. Assim, uma das conclusões é
que seria importante trabalhar questões relacionadas à convivência em situações
planejadas para esse fim.
É claro que o
trabalho pedagógico realizado em contextos de atividades espontâneas pode ser
útil, favorecendo o desenvolvimento da criatividade, da colaboração e da
atenção, entre outras potencialidades. Ambas as modalidades, espontânea e
dirigida, possuem sua importância no desenvolvimento individual. O que quero
ressaltar é o potencial que existe no planejamento de atividades com vistas a
trabalhar necessidades individuais do desenvolvimento. Um feedback oferecido à
professora, nesse caso, se encaixaria perfeitamente no argumento do autor sobre
o fato de o trabalho clínico ser um “laboratório” que permite “extrapolar” as
experiências para o macrossistema. Nesse sentido, pode-se dizer que a clínica
contribui com a educação, ao orientar processos que levem a assumir um caráter
de formação mais global do sujeito.
.
VISCA, Jorge. Psicopedagogia:
novas contribuições. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991.
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