Ao pensar
sobre a temática da humanização dentro das instituições escolares, vem à
memória muitos casos atendidos durante o percurso realizado até aqui. Entre
esses casos, é possível mencionar o de um aluno do 9º ano do ensino fundamental, encaminhado porque ultimamente
vinha apresentando baixo desempenho escolar. Durante um atendimento, Pedro
(nome fictício) menciona que agora se tornava difícil ter motivação para
realizar as tarefas para casa, porque esse momento, anteriormente, tinha um
significado especial, pois era o genitor que o ajudava a realizar as tarefas
para casa. Depois da morte deste, fazê-las sempre o levava a recordar-se dessa
falta. Infelizmente, para Pedro, estudar passou a ser algo que se relacionava
com a ideia de “perda”. Na queixa do educando, ficava evidente uma ruptura
afetiva existente na relação de ensino e aprendizagem desde então. Penso que a “falta”
trazia reflexos para a transferência existente na relação entre ensinante e
aprendente, pois o ato de aprender estava, anteriormente, relacionado a uma
situação em que o afeto estava presente. Pareceu-me muito interessante a ideia
de que ensinar seja um ato que necessite ser autorizado por aquele que aprende.
Neste caso, o fora em relação a alguém com especial vinculação afetiva para o
educando. Portanto, quanto mais os professores fossem capazes de assumir
atribuições de apoiadores, incentivadores, melhores condições teriam de
resgatar o desejo de aprender, que Pedro demonstrava nos anos anteriores. As
necessidades de Pedro foram discutidas com seus educadores. Atualmente, seu
aproveitamento nos estudos voltou a ser positivo.
Lembrar
de casos como o anterior me remete a outras situações em que o suporte
emocional se faz necessário para estabelecer uma adequada condição de ensino e
aprendizagem. Nesse sentido, é comum que muitos alunos com bom potencial para
aprender se queixem de ter “brancos”, ou seja, lapsos de memória, em situações
como avaliações. Nesse caso, o trabalho de “desmistificar” a função da
avaliação costuma trazer resultados positivos. Para isso, novamente será
necessário que o educador possua a presença de qualidades como a empatia, para ser
capaz de encorajar seus alunos. Com isso em mente, é possível imaginar que a
instituição consiga se humanizar.
Outra
situação me vem à mente. Marcos (nome fictício) frequentava o 6º ano do ensino
fundamental. Durante o seu atendimento, propus atividades de leitura e
interpretação de textos, para começar a compreender quais as demandas do
educando em relação à aprendizagem. Percebi que Marcos, embora realizasse uma
leitura fluente, encontrava dificuldades para a compreensão textual. Isso
ocorria, em parte devido às condições de seu vocabulário, mas também pela
presença de questões atencionais e pouca oferta de oportunidades de aprendizagem
adequadas as suas necessidades.
Após
ler para o educando a narrativa O Lobo e
o Cordeiro, para verificar se havia compreendido a posição dos personagens
na história, foi perguntado sobre qual dos dois estava mais acima, em relação
ao curso do rio, o que o deixou confuso. Não entendia o significado de
expressões como “turvar a água”. De modo semelhante, não soube definir o
significado de “pérola”, na fábula O Galo
e a Pérola. Perguntei: “qual foi a atitude do galo ao encontrar a pérola?”
Ele respondeu: “ficou alegre?”. Outras perguntas, cujas respostas poderiam ser obtidas
com facilidade, apenas permanecendo atento às informações explícitas no texto
durante a leitura, o fizeram pensar por um bom tempo antes de tentar responder.
Após uma terceira leitura, perguntei: “O que o galo poderia ter feito ao
encontrar a pérola?” Ele respondeu: “poderia ter vendido para o joalheiro”.
Nesta última questão apresentada, pareceu começar a compreender a ideia
proposta na fábula, que era a incompreensão, por parte do galo, do valor que a
pérola encontrada possuía. Na quarta leitura, ao ser solicitado que ficasse
atento à atitude do galo, percebeu que “o galo não ficou alegre”.
Apesar
das dificuldades demonstradas, Marcos poderá ampliar seus conhecimentos, com um
planejamento do ensino adequado ao seu conhecimento atual. A ausência de atendimento
dessas necessidades poderia estar ocasionando outras consequências para o seu
desenvolvimento. Por exemplo, essas dificuldades para cumprir a tarefa
solicitada com competência estavam produzindo dificuldade para que acreditasse em
seu potencial, possibilitando o surgimento de obstáculo epistemofílico. Assim,
o atendimento de suas necessidades exigiria algumas mudanças nas condições de
ensino e aprendizagem.
Adequações Propostas
Quanto
às ações estritamente escolares, pareceu ser vantajoso realizar algumas
adequações pedagógicas para ajudar o educando em seus progressos nos estudos.
Algumas sugestões feitas foram:
1) Ao
trabalhar um texto, verificar o que o educando já conhece sobre o assunto e os
pontos que necessitem ser melhor esclarecidos.
2) Tarefas extensas poderiam ser divididas, evitando
excesso de informações.
3) Oferta
de mais tempo ao educando, para que possa pensar sobre o texto lido antes de
passar para a atividade escrita.
4) Oportunizar
uma segunda, ou terceira leitura, caso seja necessária, para que possa
assimilar melhor as informações e passar para as demais atividades com maior
segurança.
5) A
consulta de um dicionário de língua portuguesa pode contribuir para a melhora
da compreensão, pela ampliação vocabular, favorecendo a melhora das condições
apresentadas pelo aluno neste momento.
6) A
mediação no processo de aprender e a oferta de encorajamento é essencial aos
seus progressos.
Após
acompanhar esse caso e discuti-lo com a coordenadora pedagógica e os professores,
perguntei à coordenadora se havia ocorrido alguma dificuldade por parte da
equipe para promover as adequações necessárias para auxiliar o educando, a fim
de verificar se era necessário contribuir com mais algum tipo de ajuda. O que
ela respondeu foi: “Depois que os professores entendem a natureza da
dificuldade do aluno, se mostram abertos para realizar as adequações
necessárias para ajudá-lo”.
Considerações Finais
Pensar
sobre o tema da humanização geralmente nos remete a considerações a respeito da
necessidade de aumentar a ocorrência de recursos como a afetividade e a empatia
nas relações interpessoais. Porém, ao pensarmos sobre as implicações desse
assunto dentro das instituições educacionais, podemos perceber que a
humanização vai além de uma mudança unicamente relacionada às características
afetivas presentes nas relações humanas. Assim, muitas vezes, situações podem
surgir, exigindo a mudança do olhar dos profissionais em relação à especificidade
das condições apresentadas pelo educando, fazendo necessária a presença de
ações diferenciadas para resgatar o desejo de aprender. Portanto, humanização envolveria tanto a
presença dos aspectos afetivos quanto técnicos.
No
trabalho de promoção de um ambiente institucional humanizado, a meu ver, o profissional
de Psicopedagogia ocuparia a posição de mediador, posicionando-se entre o
educando e o educador, entre o educador e o coordenador pedagógico, entre os
responsáveis e o educando, etc. Ao cumprir esses papeis, favoreceria a promoção de
uma atitude equilibrada, dentro da instituição, dos recursos humanos, tanto
afetivos quanto técnicos, para contribuir com a superação dos entraves surgidos
nas relações de ensino e aprendizagem.
Assim,
o trabalho de mediação oferecido pelo profissional de Psicopedagogia, atuando
em parceria com professores, coordenadores, famílias e profissionais da rede de
apoio torna possível aos educadores visualizar novas possibilidades pedagógicas. Essa
mediação favorece a existência da humanização no ambiente institucional, pelo
fato de que, ao se construir numa relação dialógica com os diversos envolvidos
nesse trabalho, aponta para caminhos e possibilidades do fazer educacional, em que se torna possível favorecer o crescimento integral dos educandos.
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