“Art.
54. É dever do estado assegurar à criança e ao adolescente:”
“V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino,
da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (ECA
– Estatuto da Criança e do Adolescente).
Considerando-se
as premissas anteriores, expressas pelo artigo de Lei correspondente à Lei 8.069,
de 13-7-1990, podemos concluir que o referido princípio se baseia em uma idéia de
“equidade”, pois esta noção traz, entre seus significados, de acordo com o “Mini
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, a definição: “2. Igualdade, equivalência (e. de direitos)”. Porém, conforme definição
dada a seguir, também comporta a idéia
de “diferenciação”.
A educação
é um direito reservado a todos, embora a oferta educacional não devesse ser feita
sem a consideração das especificidades do desenvolvimento do sujeito a quem se propõe
educar. Isso porque, ainda que pertencentes a uma mesma faixa etária e turma, as
crianças poderão apresentar particularidades em seu desenvolvimento, estando umas
mais adiantadas, enquanto outras necessitarão de mais tempo para alcançar os estágios
já atingidos por outros indivíduos da mesma turma.
Disso
decorre que o profissional de Psicopedagogia possui um papel importante quanto à
garantia de direitos do público-alvo de sua ação, da mesma maneira que se lhe apresenta
uma tarefa complexa, que se constituirá da relevância de sua atenção dedicada a
cada criança de modo individual.
Nesse
sentido, é apresentado o caso a seguir, como exemplo da importância de se observar
as necessidades individuais dos aprendizes desde o período inicial de sua escolarização,
pois a proposição de intervenções destinadas a complementar e/ou suplementar a educação
poderá encontrar melhores resultados quando a identificação for feita nos períodos
iniciais do desenvolvimento.
Estudo de Caso
Dados Pessoais
Nome da Criança: Laura
(fictício)
Data de Nascimento: 28\07\2013
Idade: 3
anos e 9 meses
Queixa Psicopedagógica: A
criança demonstra grande facilidade para o aprendizado e interesse pelos
estudos.
Anamnese Psicopedagógica
Em
vista das características apresentadas pela criança em seu aprendizado, o que
envolve o grande interesse pelos assuntos escolares, bem como a facilidade para
aprender tudo o que lhe é ensinado, a genitora solicitou uma avaliação psicopedagógica
das atuais condições de desenvolvimento de L.
Assim
sendo, a responsável compareceu para a realização da entrevista, momento em que
apresentou as seguintes informações. A mãe é profissional autônoma e o pai é funcionário
público. L. é a filha mais nova do casal, irmã de dois meninos, um com sete e outro
com 13 anos de idade. Ambos os genitores frequentam curso superior.
Na
história de desenvolvimento dos filhos, a entrevistada observou que todos
apresentaram características diferenciadas quanto ao aprendizado, tanto escolar
quanto informal. Isso foi exemplificado com o relato dos acontecimentos
relacionados ao filho mais velho, que se destacou em concurso por bolsa de
estudos no colégio onde estuda atualmente. Ambos os meninos vem apresentando
histórico de facilidade para a obtenção dos conceitos escolares, o que se
repete atualmente na escolarização de L. Outra característica diz respeito à
autonomia apresentada pelas três crianças em relação às questões do aprendizado.
Nesse momento, foram mencionadas as observações das pessoas que convivem no dia
a dia com a L., no meio escolar e extraescolar, de que a criança vem
apresentando excelente memória e rapidez no aprendizado. Conforme a genitora
expressou: “ela aprende rápido e retém tudo o que é ensinado”.
Uma das
professoras atuais de L. observou, em conversa com a genitora, que a criança
demonstra facilidade para a aprendizagem dos vocabulários de língua estrangeira,
superando as expectativas pedagógicas para o momento, de acordo com as metas
estabelecidas para a faixa etária em que a criança se encontra. Outra
característica observada no perfil de desenvolvimento da criança diz respeito
às iniciativas de liderança entre seus pares. Quanto ao interesse pelos
estudos, L. se destaca ainda mais, em relação ao que a responsável observou na
história escolar dos dois primeiros filhos, decorrendo disso a preocupação dos
genitores no sentido de que a criança receba estímulos desafiadores ao seu
estágio de desenvolvimento atual. Também foi observado que a criança demonstra
uma atitude muito observadora em relação às situações do dia a dia e
responsabilidade com suas obrigações, acima do que é esperado para a sua idade.
Nesse sentido, apresenta autonomia e iniciativa para a realização das tarefas escolares
feitas no espaço do lar.
No
meio familiar, procura-se oferecer um ambiente estimulador, o que contribui
para as condições de desenvolvimento da criança. L. evidencia interesse por
desenhos, pinturas e livros contendo assuntos próprios para a sua idade,
apreciando muito as histórias que a genitora conta para ela antes da hora de
dormir. Nas demais características de seu desenvolvimento, mostra-se uma
criança feliz e apresenta boas condições de saúde.
Atendimento à Criança
Durante
atendimento psicopedagógico, foram oferecidas várias atividades, a fim de
verificar o grau de dificuldade com que a criança as realizaria. Para isso, nos
baseamos nas características de desenvolvimento, conforme expostas por De
Lamare (1992) e Smith (2007), assim como por Maureen (2007) e Mèredieu (2006), sendo
que estas duas últimas autoras estudaram as características apresentadas pelo
grafismo de crianças de diferentes idades.
Durante
o período de observação psicopedagógica, L. demonstrou capacidade para perceber
e nomear as formas geométricas básicas. No que diz respeito à reprodução das
mesmas, apresentou as dificuldades próprias de sua fase de desenvolvimento,
quando a percepção já evoluiu, porém o controle motor fino ainda encontra-se em
construção. A forma de seus desenhos encontra-se na fase da figura-girino
(membros saindo da cabeça), evoluindo, em outras situações, para a figura
humana com tronco. O predomínio de formas circulares se deve às características
do próprio processo de desenvolvimento (Mèredieu, 2006, p. 20 e 28). Nos
desenhos que elaborou, o boneco-girino se reveza com o boneco-estrada, sendo o
último a própria manifestação da evolução do boneco-girino de dois membros (op.
cit. p. 33), como forma de conflito própria da evolução cognitiva, procedendo
por momentos de avanços e retrocessos.
Quando
se observam os detalhes do grafismo, a figura humana se apresenta pouco acima
das expectativas estabelecidas para o quarto ano de vida, quando se espera
entre quatro e sete detalhes (De Lamare, 1992). Nesse sentido, a criança
incluiu oito detalhes na elaboração da figura humana (cabeça, olhos, nariz,
boca, orelhas, tronco, pernas e braços). Esse fato seria indicador de que a
criança apresenta boa capacidade de observação, em conformidade com as
impressões relatadas pela genitora durante a entrevista.
Dentro
da evolução da capacidade de organizar, foi capaz de dispor cinco objetos de
tamanhos diferentes, de acordo o comprimento crescente. Quanto à comunicação, a
criança mostra-se bem comunicativa, expressando-se sobre os assuntos de sua
vida escolar e extraescolar. Nas tarefas motrizes, realizou as atividades
propostas, quanto aos movimentos motores amplos, de salto, equilíbrio e
atividade proprioceptiva esperadas para o quarto ano de vida, conforme os
marcos do desenvolvimento propostos por De Lamare (1992) para essa faixa etária.
Apresentou o conhecimento das cores primárias e algumas das secundárias, reconhecendo
oito cores ao total.
Em
relação aos conhecimentos escolares, contou os objetos apresentados
corretamente até 20. Conseguiu identificar e nomear quase todas as letras do
alfabeto. Não nomeou as letras “K”, “Q”, “W”, “Y” e “Z”.
Sobre a Aprendizagem Significativa
A
fim de contribuir com as melhores condições ofertadas a cada criança, seria
útil considerar o conceito de “aprendizagem significativa”, o qual constitui um
assunto tão relevante para o desenvolvimento individual, que vem sendo retomado
por vários autores desde que foi originalmente apresentado pelos pesquisadores
Ausubel, Novak e Hanesian (1980, p. 34).
A respeito disso, Budel & Meier (2012, p. 147),
ao abordarem sobre os diversos tipos de mediação, mencionam o conceito de
“mediação do significado”, afirmando que:
“um conceito é significativo quando se interliga a
outros já aprendidos pelo sujeito” (Ausubel; Novak; Hanesian, 1980). Por
exemplo, ao ouvirmos uma palavra conhecida somos capazes de realizar várias
lembranças, o que não ocorre quando a palavra é desconhecida. ““Enriquecer”
o significado de um conceito é ampliar suas possibilidades de uso ou
relacioná-lo ao maior número possível de outros conceitos”.
Isso
significa que, se deixada dentro de um contexto que não proponha novos
desafios, não levando em conta os estágios já alcançados nos conhecimentos, o
avanço da criança no aprendizado escolar correria o risco de ficar estagnado. Como
a avaliação demonstrou que a criança já atingiu metas de desenvolvimento esperadas
para o quarto ano de vida, e como os relatos da genitora sobre a aprendizagem
da criança concordam com o que foi observado durante o atendimento, seria
importante, para os progressos posteriores da criança, considerar com atenção a
possibilidade de ajudá-la a atingir as condições de aprendizagem significativa,
por meio da oferta de estímulos adicionais àqueles ofertados em sua
escolarização neste momento.
Considerações Finais
Levar
em conta os aspectos globais do desenvolvimento infantil possibilita ao psicopedagogo
contribuir, enquanto profissional de ajuda, na garantia da defesa de direitos da
criança, inclusive para articular ações visando adequar as estratégias de ensino
às características próprias do desenvolvimento de cada criança. A necessidade de
um olhar precoce se justifica em decorrência da relevância dos anos iniciais da
vida para o desenvolvimento posterior saudável do sujeito. Quando os aspectos identificados
ultrapassam o campo de atuação do próprio profissional de Psicopedagogia, a identificação
das necessidades existentes poderá ser o início de outras ações necessárias, como
encaminhamentos para profissionais de outras especialidades. No presente caso, a
conclusão evidenciou ser necessária a articulação do trabalho psicopedagógico com
o pedagógico, sugerindo estimulação suplementar para atender as necessidades atuais
relativas ao desenvolvimento da criança. Nesse sentido, a Psicopedagogia pode trazer
contribuições destinadas à reflexão sobre a importância de se pensar em ações para
a promoção de um ensino baseado na necessidade da oferta de educação individualizada.
Bibliografia
AUSUBEL, David P.; NOVAK,
Joseph D.; HANESIAN, Helen. Psicologia Educacional. Rio de
Janeiro: Editora Interamericana, 1980.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: (Lei n. 8069,
de 13-7-1990). São Paulo: Saraiva, 2005.
BUDEL, Gislaine Coimbra; MEIER, Marcos. Mediação
da aprendizagem na educação especial. Curitiba: Ibpex, 2012.
COX, Maureen. Desenho da criança. São
Paulo: Martins Fontes, 2007
DE LAMARE. A vida de nossos filhos de 2 a 16 anos. Rio
de Janeiro: Bloch Ed., 1992. 15 ed.
HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa.
Rio
de Janeiro: Objetiva, 2004.
MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São
Paulo: Cultrix, 2006.
Smith,
Corinne. Dificuldades
de aprendizagem de A a Z : um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artmed, 2007.