Teseu, o herói da mitologia,
era filho do rei ateniense Egeu e de Etra. A leitura do mito nos ensina que, embora
imbuído de valores elevados e da capacidade de derrotar o Minotauro, a possibilidade
de levar sua missão a bom termo e encontrar a saída do labirinto dependia de conhecer
a técnica, que consistia desenrolar a linha ao entrar e em segui-la ao sair daquele
local, a fim de encontrar o caminho de volta e conduzir os que o acompanhavam
em segurança para fora do mesmo. Como Teseu, estar imbuído de desejo de
transformar as circunstâncias não basta, é necessário ter condições de conduzir
para a saída do labirinto.
Nesse sentido, cada história
de vida que o profissional de Psicopedagogia conhece leva-o a continentes
desconhecidos, a terras muitas vezes nunca desbravadas. A necessidade de saber
lidar com o sofrimento de cada caso se apresenta, quanto mais existem elementos
que remetem ao significado do sintoma no núcleo familiar. No presente caso, a
dificuldade corresponde à apropriação do conhecimento por parte da criança em
um nível muito abaixo de suas reais possibilidades, o que levou à necessidade de
conhecer os significados que eram atribuídos ao sintoma no interior da família.
Essa questão traz à memória inúmeros casos já atendidos, como o daquela mãe
que, ao começar o relato, durante a anamnese, afirmou:
“A
gravidez não foi planejada. O meu (filho) mais velho estava só com 11 meses e
eu não queria engravidar. Quando o T. nasceu, ele nem chorou. Então eu pensei
que não devia mesmo estar grávida”.
A anamnese deve ser um
momento dedicado à entrevistada, sem que haja demonstrações de ansiedade por
parte do entrevistador, qualquer que ela seja. Conta-se que em determinada
ocasião, uma paciente, após interrompida seguidamente por Freud, dirigiu-se a
ele, dizendo-lhe “você fala demais”. Uma escuta atenta possibilita a existência
de condições suficientes para que quem escuta sirva como uma “superfície
projetiva” (Laplanche, 1991) e para quem é entrevistado poder realizar as livre
associações com os fatos que vai narrando, o que favorece a melhor compreensão
dos significados inconscientes relacionados à queixa.
O psicopedagogo, durante a entrevista,
deve estar preparado para não ser surpreendido pela intenção de projetar as
suas próprias expectativas sobre aquilo que ouve durante o relato, pois poderia
cair na tentação de procurar auxiliar pela fala, no momento em que deveria auxiliar
apenas ouvindo.
No caso ilustrativo da
entrevista com a mãe de aluno relatado acima, pode-se perceber a presença de um
mecanismo de defesa do ego conhecido como “negação”. Estar atento a essas verbalizações
pode ajudar a compreender os sentimentos manifestados pela genitora em relação
à descoberta da gravidez, assim como a forma como lidou com suas frustrações
posteriormente.
A contratransferência, ou
ainda, fazendo uma paráfrase sobre uma das expressões usadas por Freud para definir
esse processo, a influência do entrevistado sobre os sentimentos inconscientes
do entrevistador (Laplanche,1991, p. 102), não deveria ocorrer de modo a
prejudicar a escuta, levando a pessoa que conta a sua história a perder o fio
capaz de conduzi-la a uma maior consciência de suas próprias motivações. A
entrevista bem conduzida possibilita que as intervenções sugeridas ao final da
mesma sejam aceitas mais naturalmente, como, por exemplo, encaminhar o caso
para outros serviços.
A continuidade do trabalho
já referido permitiu observar que a negação inicial da gravidez cedeu lugar a
atitudes posteriores compensatórias por parte da genitora, para lidar com o
sentimento de culpa, o que resultou na superproteção do filho. Por sua vez,
essa atitude impediu que o educando apresentasse o desenvolvimento de suas potencialidades
de modo coerente com suas possibilidades reais.
O acompanhamento do caso
possibilitou o investindo em ações que permitiram à genitora uma evolução na
sua compreensão do sentimento de competência do filho, adequando o modo como
percebia suas possibilidades, que por sua vez melhoraram as suas expectativas
quanto às condições de aprendizado do filho, que também reagiu positivamente,
passando a demonstrar maior autonomia em relação ao aprendizado.
Bibliografia
BULFINCH,
Thomas. O
livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2006.
LAPLANCHE,
Jean. Vocabulário da
psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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