Os
antigos gregos tinham um mito chamado O Leito de Procusto. Este personagem,
cujo nome tem o significado etimológico de “esticador”, tinha o costume de
hospedar pessoas em sua casa. Porém, no momento em que iam recolher-se ao
leito, Procusto observava a estatura do hóspede. Caso fosse maior do que a
cama, o que sobrava do corpo para fora era cortado. Em caso contrário, se a
pessoa fosse menor do que a cama, era esticada até se tornar do tamanho da
mesma. Procusto simboliza a intolerância à diferença, o apego a um padrão
imutável.
A
necessidade de pensar uma prática educacional capaz de atender a diferentes perfis
cognitivos se mostra importante neste momento em que o fracasso escolar exclui
simbolicamente muitos daqueles que compartilham o mesmo espaço físico dentro
das instituições. Se todos são capazes de aprender, uma prática pedagógica consciente
deveria ser capaz de contribuir para o desenvolvimento cognitivo, emocional e
relacional de todos aqueles que passam pela escola.
Budel
e Meier (2012) trazem a explanação das ideias que constituem a contribuição
original de Reuven Feuerstein para a o desenvolvimento da potencialidade
humana, ao fornecer as bases conceituais da experiência de aprendizagem
mediada. Um dos pilares da teoria feuersteiniana repousa sobre o pressuposto de
que todo ser humano apresenta potencial para a aprendizagem. Como explicam os
autores citados:
“Devemos
sempre ter em mente que podemos produzir mudanças e que todo ser humano é capaz
de aprender, independentemente de sua condição inicial. Esse é um dos
postulados básicos da teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Reuven
Feuerstein, que está alicerçada em um axioma universal: ´todo ser humano é
modificável´” (Budel, Meier, 2012, p. 37).
Baseando-se
na afirmação anterior, os autores propõem que o conceito de “inclusão” deveria
supor a modificabilidade inerente a todo ser humano. Nesse sentido, para se
incluir de fato, torna-se necessário repensar ações como o planejamento, assim
como o currículo escolar.
Mostram
também como essas ideias estão relacionados ao contexto histórico em que
Feuerstein desenvolveu as suas pesquisas, uma vez que teve a oportunidade de
trabalhar com crianças que haviam tido pouca experiência de aprendizagem
mediada. Naquela ocasião, os instrumentos padronizados de testagem da cognição
mostravam apenas que o produto alcançado pelos sujeitos testados indicava que
eles estavam aquém do resultado esperado para suas idades (op. cit., p. 88-89). Essa
condição foi compreendida por Feuerstein de forma diferente. Não se limitando
ao que apontavam os resultados dos testes, percebeu as dificuldades demonstradas
por essas crianças como sendo o resultado do que veio a chamar de síndrome da
privação cultural. As características dessa síndrome se manifestavam como
dificuldades para interpretar textos simples, para perceber os dados presentes
em uma situação, pela ausência de curiosidade e de atitude crítica, pelo desinteresse
por aspectos da própria cultura, entre outros, como consequência de não terem vivenciado
situações envolvendo a experiência de aprendizagem mediada (idem). Portanto, a
síndrome da privação cultural poderia ser combatida pela oferta dessa mesma
experiência.
Dentro
do contexto escolar, o combate à síndrome da privação cultural demanda a
realização de um trabalho pedagógico adequado, em que os desafios são
oferecidos na medida em que possam ser resolvidos, gerando no sujeito mais motivação
para continuar aprendendo.
Além
da instituição escolar, outros contextos, como o familiar, podem favorecer a
ocorrência da síndrome de privação cultural, caso as relações sejam
caracterizadas por atitudes como autoritarismo, negligência e superproteção. Enquanto
que o autoritarismo gera medo da punição, a negligência se caracteriza pela
falta de mediação, e a superproteção impede a criança de superar seus próprios
desafios (op. cit. p. 97-98).
Modalidades da Mediação
Após a
constatação desses aspectos, os autores passam a definir as características de
uma experiência de aprendizagem mediada, de acordo com Feuerstein (op. cit. p.
125).
Em uma
verdadeira experiência de aprendizagem mediada, a intencionalidade e a
reciprocidade constituem o primeiro par de conceitos definidos pelos autores.
Enquanto a intencionalidade é algo que deve estar presente na prática do
educador, a reciprocidade é apresentada pelo educando. A intencionalidade leva
o educador a ultrapassar o planejamento inicial. Ele questionará o motivo de a
aprendizagem não ter se efetivado, levantando hipóteses e encontrando caminhos
alternativos para que a aprendizagem seja efetivada. Atualmente, uma das
queixas muito frequentes apresentadas pelos professores se refere ao
desinteresse do aluno pelo aprendizado. Nesse caso, não se verificou a presença
da reciprocidade. Isso exige mudança de estratégia, para que ocorra
reciprocidade.
Mediação
do significado é outro conceito importante. O significado que o educando
encontra em determinada atividade depende de seus conhecimentos anteriores.
Transcendência
consiste em ajudar o educando a ser capaz de identificar diferentes situações
para a aplicação do conhecimento adquirido.
Mediação
do sentimento de competência ocorre quando o professor consegue identificar a
complexidade da tarefa com a qual o educando é capaz de lidar, interferindo
positivamente no sentimento de competência. Outras maneiras de fazer isso
ocorrem com a oferta de feedback do aprendizado, quando o educando percebe os
seus próprios avanços. Além disso, um elogio, feito no momento oportuno, também
pode promover o sentimento de competência.
A
mediação da autorregulação e do controle do comportamento é um aspecto essencial
para a aprendizagem. Ao lidar com as informações, ajudar o educando a controlar
a sua impulsividade contribui para que utilize as informações de modo mais
adequado, durante as fases de entrada, elaboração e saída.
A
mediação do comportamento de compartilhar é algo que aproxima educador e
educando, fortalece vínculos e humaniza o ambiente de aprendizagem. Mediação da
individuação e da diferenciação psicológica é o tipo de mediação que se revela
no trabalho educacional quando o educador consegue individualizar a sua ação,
pois cada sujeito é único e necessita de ações diferentes para que o
aprendizado ocorra.
Na Mediação
da busca, do planejamento e do alcance dos objetivos, o professor deixa claro
para o estudante o objetivo de cada tarefa. Essa atitude passará a ser
apropriada pelo educando, que também demonstrará a capacidade de planejamento
de modo autônomo posteriormente.
Para a
Mediação da busca pela adaptação a situações novas e complexas, faz-se
necessário tanto o conhecimento do assunto a ser ensinado quanto do sujeito a
quem se ensinará. A complexidade do assunto deve considerar o que o educando
pode realizar, evitando que seja tão fácil que promova tédio ou tão difícil que
promova desinteresse.
Na
mediação da consciência da modificabilidade busca-se conscientizar o educando
de seus progressos, de onde partiu e aonde chegou.
A
mediação da alternativa positiva corresponde ao modo como, ao agir com otimismo,
essa atitude impulsiona o educador em direção a novas alternativas para levar o
educando a aprender. Isso inclui pesquisa, reflexão sobre a prática, entre
outras ações.
Na
mediação do sentimento de pertença, procura-se criar oportunidades para que o
educando se sinta pertencente a um grupo, ao participar de um projeto
significativo na instituição, por exemplo. O sentimento de pertença favorece o
desenvolvimento da autoestima.
Considerações Finais
A
abordagem de Feuerstein favorece o desenvolvimento da autonomia na
aprendizagem, promovendo melhor compreensão tanto dos aspectos relacionados à
educação formal quanto dos demais ambientes vivenciados pelo sujeito. Mas antes
de ser capaz de demonstrar autonomia, o sujeito necessita de experiências de
aprendizagem mediada. Essa mediação irá constituir-se em um fator para a
melhora da autonomia, resultado do desenvolvimento cognitivo conquistado pela
oferta das experiências de aprendizagem mediada oferecidas previamente. Compreender
o potencial transformador dos ambientes de aprendizagem, a partir de uma
prática educacional alicerçada na convicção de que a cognição humana é
modificável poderá contribuir para uma mudança significativa no âmbito pedagógico,
nos tornando mais otimistas e responsáveis pelos resultados dessa ação.
O
conhecimento dos aspectos que podem prejudicar o desenvolvimento humano abre
possibilidades à intervenção psicopedagógica em âmbito clínico, institucional e
familiar. A partir desses conhecimentos, faz-se necessário o engajamento do
profissional de psicopedagogia nos diferentes contextos de aprendizagem. No
primeiro caso, isso pode ser feito aproveitando-se as oportunidades existentes,
pela parceria com os educadores para propor alternativas ao processo pedagógico.
No que se refere ao trabalho com as famílias, torna possível investir em
orientações aos responsáveis, quando a falta de experiências de aprendizagem
mediada estiver presente nas relações intrafamiliares. Além das orientações
pontuais, a presença do psicopedagogo em reuniões de estudos dos professores e
durante a realização de projetos como Escola de Pais poderia oportunizar momentos
destinados à oferta de orientações.
É
importante combater o fracasso escolar. Para isso, não se pode continuar
patologizando as dificuldades de aprendizagem. O conhecimento da abordagem de Feuerstein
possibilita ao profissional de psicopedagogia que se torne o multiplicador de
ações capazes de alterar positivamente a qualidade da relação de ensino e aprendizagem
por meio da valorização das experiências de aprendizagem mediada.
Bibliografia
BUDEL, Gislaine Coimbra; MEIER, Marcos. Mediação da aprendizagem na
educação especial. Curitiba: Ibpex, 2012.