A prática da Psicopedagogia
está marcada pela interdisciplinaridade. Em nossa experiência, digo, do grupo
ao qual pertenço, concordaríamos em dizer que os nossos anos de prática inicial
na atuação psicopedagógica foram marcados por constantes interlocuções,
encontros e formações, contando com a presença de uma rede de apoio extensa e
atuante, com profissionais da área educacional, social e da saúde interagindo,
o que, acredito, muito contribuiu para a formação de nossas identidades.
Na questão legal, no Brasil,
temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, de 13-7-1990) como um
importante marco dos direitos referentes a esses públicos. Pertence ao referido
estatuto os seguintes artigos:
“Art. 7.
A criança e o adolescente tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência”.
“Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente” [Os grifos são nossos].
Assim, a criança tem
assegurada por lei o direito a se desenvolver em condições adequadas, sendo a
sociedade em geral, no caso, “todos”, responsáveis por resguardar tais
garantias. Outra questão que merece ser mencionada é a presença do verbo
“prevenir”, o que nos traz a ideia de que a oferta dessas “condições adequadas”
envolve um posicionamento ativo por parte daqueles sobre os quais recai a
responsabilidade (Não custa lembrar mais uma vez, “todos”).
Com as palavras “dever”,
“todos” e “prevenção” em mente, poderíamos questionar sobre as oportunidades
que os profissionais de Psicopedagogia tem de articular ações com os diversos
atores com os quais essa disciplina estabelece diálogo na realização do
trabalho em rede. Atualmente, nossa prática envolve atuar na prevenção e na
intervenção, olhando tanto o indivíduo quanto o coletivo escolar. Essa demanda
às vezes nos leva a elaborar instrumentos de intervenção.
Mesmo hoje, após ter
transcorrido quase dez anos de prática psicopedagógica e com a chegada de novos
profissionais ao grupo, a sensação é a de que a Psicopedagogia sempre terá algo
a nos desafiar em nossa prática, gerando a expectativa de pertencimento a um
campo de atuação muito criativo e enriquecedor. Neste momento, olhando em
retrospectiva, percebemos o quanto o nosso campo de ação se expandiu. Em parte
isso decorre da própria necessidade apresentada pelas comunidades onde a
Psicopedagogia é praticada, visando contribuir para a garantia de direitos dos
públicos atendidos.
Trabalhar
As Emoções na Perspectiva da Psicopedagogia Institucional
Ao mencionar as contribuições
que uma abordagem educacional das emoções pode proporcionar ao desenvolvimento
das crianças em idade escolar, Nogueira destaca os seguintes aspectos:
Primeiramente
na educação integral do aluno, que passa a ter ferramentas e subsídios para melhor
entender o mundo circundante. Em segundo lugar, quando estamos equilibrados
emocionalmente estamos mais aptos a encarar outros desafios, inclusive a
prestar atenção na aula e entender novos conteúdos acadêmicos (2009,
p. 88).
De acordo com Oliveira, a
educação emocional deve começar a ser oferecida o mais cedo possível, usando a
expressão “alfabetização emocional” para definir o trabalho dos educadores
voltado para essa importante dimensão do desenvolvimento humano. Nesse sentido,
a referida autora afirma ainda:
“Quanto
mais cedo iniciar-se a alfabetização emocional, o homem terá maiores
oportunidades de leitura clara e objetiva das próprias emoções, habilitando-se,
também, a ler e entender os outros” (2004, p. 55).
E mais adiante acrescenta:
“é
o processo que permite conhecer e harmonizar os diversos tipos de inteligências
e a energia que cada indivíduo dispõe para a autopreservação e a preservação do
ser humano, feliz, em harmonia com Universo” (op. cit. p. 53).
Esses estudos, bem como a constatação
dos próprios educadores, em sua prática diária, a respeito do grande número de
crianças que convivem em lares caracterizados pela existência de constantes
conflitos entre seus integrantes, casos de enfermidade familiar, a dificuldade das
próprias crianças em administrar conflitos interpessoais com seus pares ou
mesmo em lidar com frustrações decorrentes do aprendizado, nos levam a pensar
que o momento atual demanda a oferta de um ambiente escolar cada vez mais
preparado para desenvolver ações que contribuam para desenvolver a
“inteligência emocional” dos escolares.
Além da promoção da
qualidade de vida dos alunos, favorecida por um trabalho focado na inteligência
emocional na perspectiva da prevenção, podemos pensar em outras contribuições
que essa atuação promoveria, como o levantamento de demandas existentes na instituição,
referentes a encaminhamento para outros serviços da rede de apoio e
estruturação de projetos que poderão ser implementados na própria instituição.
Exemplo
da Elaboração de uma Atividade
A expressão em suas formas
oral, escrita, pictórica, podem constituir meios de dinamizar a aula,
permitindo o desenvolvimento de reflexões que possibilitem o desenvolvimento
emocional? Como já mencionei antes, em outra postagem, a contação da história
“O Pescador e O Gênio” foi feita durante o trabalho desenvolvido com algumas
turmas do 6º ao 9° ano do ensino fundamental. Ao analisar essa história,
Bettelheim (1980, p. 39) apresenta o conceito de “sentimentos engarrafados”
para se referir à crescente indignação que o gênio experimentava a medida que o
tempo passava, sem que fosse capaz de conquistar sua liberdade. Para quem não
conhece a história, o gênio havia sido aprisionado dentro de um vaso de cobre,
por ordem do rei Salomão. Nessa situação, o gênio ia ficando cada vez mais
focado em sua própria frustração, o que o levou a prometer para si próprio que
mataria quem o libertasse. Na narrativa, o pescador que o liberta consegue
escapar do cruel Ifrite (como são chamados os gênios malévolos) apenas pelo
fato de usar sua inteligência, induzindo o gênio a entrar novamente no vaso por
sua própria vontade, lacrando-o em seguida onde estava anteriormente.
Quando a psicanálise
interpreta contos como esse, o intérprete faz uso de conceitos psicanalíticos
tais como projeção, condensação e deslocamento. Há inúmeros autores que já
submeteram histórias à análise psicanalítica. Embora tenhamos contado a
história aos alunos e oferecido a interpretação de Bettelheim sobre as
motivações do gênio, essa abordagem teve o propósito apenas de favorecer a
atividade que proporíamos em seguida. Nesse caso, solicitamos a produção de um
desenho, texto, ou outra forma de expressão, de acordo com a criatividade dos
alunos, cujo tema foi: “Meus sentimentos engarrafados”. Antes, no entanto, foi
combinado que nenhuma atividade produzida seria compartilhada com os colegas, a
menos que o próprio aluno o desejasse. O único a conhecer os autores dos
trabalhos seria o aplicador da dinâmica. Até mesmo foi proposto aos alunos que, a quem preferisse, não seria necessário se identificar.
A seguir, apresento algumas dessas
produções, das quais se pode dizer que são, na maioria, não-projetivas, já que
o conteúdo elaborado exigiu uma reflexão, portanto, uma ação consciente do autor
da atividade sobre o conteúdo produzido. Os usos do desenho, da expressão oral ou
escrita são importantes instrumentos psicopedagógicos, capazes de favorecer a
inserção da temática da educação emocional numa perspectiva escolar.
CONSULTA
BETTELHEIM,
Bruno. A psicanálise dos
contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
BRASIL.
Estatuto da Criança e do
Adolescente: (Lei 8069, de 13-7-1990). São Paulo: Saraiva, 2005.
NOGUEIRA,
Nilbo Ribeiro. Educação
emocional – perspectivas para uma prática pedagógica – Pinhais: Editora Melo,
2009.
OLIVEIRA,
Ivone Boechat. Competência
emocional. Rio de Janeiro: REPROARTE, 2004.