Dias atrás,
encontrei uma colega de profissão que não via fazia algum tempo. Em meio à
nossa conversa, como me perguntasse sobre o que eu estava lendo no momento,
disse-lhe que recentemente tinha me interessado por um livro de Bruno Bettelheim,
no qual o autor apresenta o caso de uma jovem com dificuldades escolares
motivadas por situações ligadas ao divórcio dos pais. Ella, a jovem em questão,
apresentava dificuldades acentuadas no processo de aprendizagem escolar, ainda
que os pais se mostrassem bastante exigentes quanto a suas realizações
acadêmicas, continuei. Retomada pelo autor com frequência, está a ideia de que
não adianta mostrar-se severo com os filhos, em relação ao desempenho escolar,
se os mesmos não sentirem que o interesse dos pais por eles próprios está acima
do interesse pelo seu desempenho nos estudos. Quando cheguei a esse ponto fiz
uma pausa para saber se a colega queria comentar algo. Pela expressão de seu
rosto, deduzi que ela queria que eu continuasse. Conclui dizendo algo mais ou
menos como segue. Para mim, a contribuição do autor com a discussão do caso,
está no fato de que ele insere a dificuldade para aprender em um enfoque que
vai além do próprio indivíduo, buscando a explicação no contexto mais amplo em
que o sujeito está inserido.
O caso de Ella
nos serve para lembrar que a educação é uma tarefa que não pode ser plenamente
efetuada apenas pelo exercício burocrático de funções e papéis, por que o ato
de educar é concretizado pela interação entre seres humanos, com as implicações
da complexidade e singularidade de cada um dos sujeitos. Portanto, educar é
algo que se cumpre apenas quando a presença de ambientes humanizados é possível,
concluí. Fui até esse ponto, quando achei que o que havia dito servia como uma
conclusão adequada para meu assunto.
Em seguida, a
minha colega tomou a palavra e começou a me falar sobre o caso de um aluno que
havia recebido em sua turma. Explicou sobre as dificuldades do educando ao
longo de seu desenvolvimento, como nos momentos em que esteve em abrigos em
decorrência de situações vivenciadas no espaço familiar. O fato é que esse
educando tinha passado sem sucesso por vários professores, ora evadindo da
escola, ora permanecendo nela, mas sem motivação para os estudos, explicou-me.
Após apresentar mais algumas impressões pessoais a respeito dos desafios que
encontraria no trabalho, ressaltou o fato de que estava conseguindo estabelecer
um bom vínculo com o aluno, aspecto em que até então os professores anteriores
não haviam encontrado resultados muito animadores. Depois acrescentou, a modo
de conclusão, esse belo pensamento:
“A partir do momento em que uma escola é inclusiva, deve-se oferecer as
condições necessárias para que o aluno seja efetivamente incluído”.
Lembrei-me, a
essa altura, do comentário de um autor sobre o que diz Gramsci a respeito do
potencial para filosofar existente entre as pessoas, quaisquer que sejam suas
formações.
É essencial
destruir – diz Gramsci – o difundido preconceito de que a filosofia é algo
estranho e difícil porque é uma atividade intelectual específica de uma
categoria particular de especialistas ou de filósofos profissionais ou
sistemáticos. Antes de tudo é preciso demonstrar que todos os homens são “filósofos”,
definindo os limites e as características da “filosofia espontânea” que é
própria de todo o mundo (Attilio, 2010, p.
24).
Acredito que
pensamentos como o de minha interlocutora representam bem o que foi exposto
anteriormente. Essas reflexões, quando acompanhadas da prática efetiva,
constituem, acredito, um dos caminhos mais viáveis para a mudança em relação
aos problemas que têm sido apontados no campo da educação.
Dificuldades
de aprendizado podem surgir até mesmo onde não acharíamos ser possível. O caso
do aluno que sempre teve desempenho acima da média e que de repente, não se
sabe por que motivo, começa a encontrar dificuldades no processo de aprender
ilustra bem a situação. Quando adotamos uma postura que agrega valor humanizado
ao trabalho educacional podemos perceber o quanto há de afetividade envolvida
no ato de apropriação de conceitos. Aprendemos com a razão, mas também com tudo
o mais que envolve a nossa humanidade.
Educadores
convivem muitas horas com os seus educandos. Isso possibilita fazer uma enorme diferença
em suas vidas nos momentos críticos. Já ouvi pessoas afirmarem que não há
relação entre aprender e as condições familiares. Eu discordo desse pensamento.
Não para responsabilizar as famílias, mas para ressaltar o quanto educadores
sensíveis podem ser importantes em momentos de transição experimentados pelos
alunos e suas famílias.
Ao longo
desses anos, tenho tido a felicidade de conhecer pessoas como a colega mencionada.
São essas, com suas capacidades de nos inspirar, pelo otimismo e seriedade com
que desempenham a profissão, aquelas com quem podemos dizer que vale a pena
trabalhar e conviver, pois demonstram estar convencidas da importância do que
realizam.
E viva à educação humanizada!
Bibliografia
BETTELHEIM, Bruno. Uma vida
para seu filho. Rio de Janeiro,: Campus, 1988.
Monasta,
Attilio. Antonio Gramsci. Recife: Editora Massangana, 2010.
154
p. (Coleção Educadores).