“A avaliação das
possíveis necessidades educativas dos alunos revela-se como um dos componentes
mais críticos da intervenção psicopedagógica não apenas porque os profissionais
da área psicopedagógica (psicólogos, pedagogos e psicopedagogos) dedicam a tal
tarefa boa parte do seu tempo, mas porque nela se fundamentam as decisões
voltadas à prevenção e, se for o caso, à solução das possíveis dificuldades dos
alunos e, em última análise, à promoção das melhores condições para o seu
desenvolvimento” (Climent
Giné).
Constantemente
o profissional de Psicopedagogia recebe queixas relacionadas a dificuldades de
aprendizado, motivadas por diferentes fatores que interagem entre si.
Constantemente, mas não exclusivamente, pois a diversidade envolve uma demanda
que não se resume às dificuldades de aprendizado. Como exemplo, pode ser
mencionado o crescente interesse pelo tema “dotação e talento”. Neste caso,
dificuldades poderão ocorrer, caso a proposta pedagógica não esteja adequada à
necessidade individual, oferecendo pouco espaço para contestação, autonomia e
criatividade. Outros casos relacionados à diversidade envolvem o tema da
acessibilidade, que em si mesma não promove dificuldade de aprendizado, desde
que se busque estar atento aos aspectos pedagógicos que favorecerão a inclusão
e efetiva participação do indivíduo no grupo.
Em decorrência
da complexidade que tal tarefa apresenta, faz-se necessário o trabalho
articulado entre os diversos atores que se prestarão a avaliar as condições existentes
e a adequação necessária ao atendimento educacional ofertado. Por isso, nas
escolas, trabalhamos em parceria com outros profissionais, tais como os
educadores das salas comuns e os de Apoio Educacional Especializado (AEE).
Ao abordar a
questão da avaliação psicopedagógica, vou me ater às ações que procuro realizar
diretamente, após receber a queixa escolar. Há casos específicos em que uma
avaliação conta com o apoio de muitos outros profissionais. No caso da
avaliação que realizo, a mesma segue uma diretriz que opta pela globalidade da
situação, da qual podem participar uma ou mais das dimensões avaliadas (individual,
escolar, familiar, cultural, social), relacionadas a causas transitórias ou
permanentes. Global porque os diferentes contextos de que o sujeito participa
são envolvidos na busca de elaboração de uma hipótese psicopedagógica.
Nesse sentido,
um olhar atento para o sujeito que aprende, no momento da avaliação, não
significa que haja prioridade deste enfoque em relação aos demais. Durante o
processo avaliativo, todos os aspectos propostos tem seu espaço. Nos diferentes
momentos, é possível enfatizar ora este ora aquele. No final desse processo,
será possível juntar as partes para a construção de uma visão mais abrangente
das necessidades do sujeito.
Podemos ouvir,
por exemplo, durante a anamnese, que “ele estava tão bem quando fulana era a
professora”, levantando uma hipótese de trabalho que envolveria aspectos
relacionados à qualidade do ensino ofertado. Outras vezes, são questões
relacionadas ao próprio currículo que surgem como norte das ações a serem
introduzidas: “Que critérios
metodológicos se devem contemplar para atender à diversidade?” “Como avaliar o
processo de ensino e de aprendizagem?” (Coll, Marchesi, Palacios (orgs) p. 292).
Ainda durante a anamnese, podemos descobrir
outros fatores que poderão estar relacionados à queixa. Aliás, o momento da
anamnese não se limita à busca de informações exclusivamente referentes ao
sujeito que motivou a queixa. Há espaço para as questões relacionadas à
subjetividade, deslocando o centro do interesse para a própria pessoa
entrevistada: “Como cada um (pai e mãe)
percebeu e recebeu essa gravidez?”; “O que sentiu com os primeiros movimentos
do bebê? E o pai, como reagiu?” (Chamat 2008, p. 83).
A dificuldade
apresentada na queixa pode estar relacionada a outros fatores. A criança poderá
estar passando por um período de adaptação na nova escola. Pode estar se
sentindo insegura quanto ao modo como será recebida pela nova turma. Pode estar
encontrando dificuldades quanto aos novos assuntos, que poderão ser mais
complexos do que os que estava estudando anteriormente, bem como em relação à
metodologia adotada pela escola para onde foi transferida.
O envolvimento
de todas as dimensões implica um espaço para o próprio sujeito que aprende. Aprofundando
a queixa psicopedagógica, após uma sessão de atendimento dedicado ao aluno,
poderá haver uma suspeita adicional, como o fato de que a dificuldade surgida
poderia estar relacionada ao nascimento recente de outra criança na família.
Nesse último caso, a orientação familiar já foi um dos procedimentos que
demonstraram bons resultados. Num deles, foi o próprio pai que compareceu para
pedir ajuda, após perceber desinteresse da criança pelas questões escolares.
Depois de receber orientação do psicopedagogo, retornou à escola e agradeceu,
afirmando que:
“Eu não imaginava que ela estivesse se sentindo assim. Mas agora posso
perceber que, além disso, tem também outras coisas, como o curso da faculdade e
o trabalho. Vou precisar me organizar melhor para dar um tempo de qualidade
para a família”.
Momentos de
atendimento individualizado, para aprofundamento da queixa inicial constituem
uma das ações psicopedagógicas que, a meu ver, são indispensáveis para a tomada
de decisão e realização de ações posteriores, a fim de auxiliar a clientela
escolar. Por isso, procuro trabalhar com dinâmicas específicas durante o
atendimento de educandos que apresentam dificuldade no aprender. Ao ler um
livro de Winnicott, conheci um jogo chamado “Jogo dos Rabiscos”. Pensei em uma
adaptação deste para o seu uso com finalidades psicopedagógicas. O Jogo dos
Rabiscos Psicopedagógico tem objetivos distintos daquele pretendido pelo autor
citado, que foi um grande psicanalista de seu tempo. A diferença no caso
presente está no fato de que o jogo é usado para observar questões relacionadas
ao aprendizado. Mais adiante, darei um exemplo de como o utilizo em meus
atendimentos.
A Queixa Elaborada Pelos Educadores
Quando o (a)
educador (a) realiza alguma observação a respeito do aprendizado e das
necessidades relacionadas ao educando, peço que relate as mesmas por escrito,
observando se houve um período de trabalho suficiente para o conhecimento das
potencialidades e necessidades da turma. Por exemplo, recebo uma queixa que
envolve a afirmação de que o educando “ainda não atingiu nenhuma hipótese da
escrita”, depois de transcorrido tempo significativo de trabalho e
oportunidades de aprendizado e que se encontra atrasado nesse sentido em relação
à maioria dos colegas.
A Autorização dos Pais para a Realização do
Atendimento
Além de
solicitar autorização dos responsáveis para a realização do atendimento, é
importante estabelecer, com os professores, o melhor momento para observar o
aluno em atendimento psicopedagógico. Após esses procedimentos, o atendimento
individualizado pode ocorrer, em seguida.
O Momento da Observação Psicopedagógica do
Educando: Alguns Jogos
A realização
de uma avaliação convencional, logo na primeira sessão, como já insisti em
outro momento, não é uma boa opção, pois pode gerar ansiedade, porque o
educando perceberá que está em um contexto avaliativo.
A diferença
com o Jogo dos Rabiscos Psicopedagógico é que a escrita será observada em um
contexto lúdico. Esse jogo pode ser realizado entre o psicopedagogo e o
educando que está sendo observado, ou entre dois ou mais educandos, quando o
psicopedagogo prefere observar e não joga. Essa dinâmica pode ser assim
exemplificada. Faço o primeiro rabisco, deixando em aberto a possibilidade de
que o aluno possa completá-lo e desenhar o que lhe vier à mente. Caso complete
o círculo inicial com outras coisas, transformando-o em uma cabeça,
acrescentando a seguir os olhos e demais partes do rosto, dizendo que se trata
de “um menino”, peço que escreva embaixo do desenho, do modo como puder ou
souber, “menino”. O Jogo prossegue assim, até um momento em que apresento um
novo desafio. Transformar o conjunto de desenhos feitos em uma narrativa
verbal, como preferir. Geralmente os alunos mais imaginativos se sobressaem
nesse momento. Percebi, inclusive, que há alunos com bom raciocínio lógico que
encontram dificuldades nesse momento. O encaminhamento para outros
profissionais poderá ser feito quando necessário, após isso. Praticando essa
técnica, em vez de uma sondagem direta da escrita, já pude evidenciar sua
vantagem. Um aluno avaliado dentro das condições normais apresentou determinada
hipótese, a qual divergia de outra obtida em momento lúdico. Foi possível
comparar os resultados e verificar que o aluno se encontrava um pouco além do
que fora constatado na sondagem de escrita convencional.
Além desses
jogos, uso outros, com objetivos específicos, como o Jogo do Tapa, que é
encontrado pronto ou que pode ser confeccionado. Frequentemente os
participantes se divertem muito nessa brincadeira. Uso este jogo quando a
queixa envolve aspectos como “dificuldade para reter o que aprendeu”. Observo
se a queixa condiz com o que é observado, antes de decidir se devo encaminhar
para outros especialistas.
Por fim, posso
mencionar um último jogo que eu também elaborei. Trata-se de uma dinâmica
contendo 12 legendas, que terminam com reticências e que o educando deve
completar. Chamo essa dinâmica de “Um Menino Chamado Peter”. A primeira dessas
frases é: “Peter é um menino assim”... (Peço que desenhe na folha o modo como o
imagina). Em textos posteriores posso especificar melhor os objetivos e as
conclusões que percebi até o momento aplicando essa dinâmica.
Conclusões
Investigar
os aspectos que dificultam o aprendizado não é tarefa simples. Pode envolver
muitas ações e parcerias. Acredito que a capacitação necessária decorre de
vários fatores, como disposição para os estudos e reflexão sobre a prática.
Essa demanda poderá promover a consciência de que estamos sempre em formação, o
que é um aspecto positivo, pois gera uma sensação de que “não se está terminado”,
mas em processo de construção, desconstrução e reconstrução, continuamente. Caso
essa jornada pudesse ser encarada como um problema ou como uma aventura, eu
optaria pela segunda possibilidade, pois podemos crescer diante dos desafios
que a prática nos proporciona, além de atuar em uma área de grande relevância
para o indivíduo e para a sociedade.
Bibliografia Citada
CHAMAT, L.S.J. Técnicas de
diagnóstico psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem interacionista.
São Paulo. Editora Vetor, 2008.
COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesus (Orgs). Desenvolvimento psicológico e educação:
transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais (v. 3). Porto
Alegre: Artmed, 2004.